Opinião: Isto é gozar com quem trabalha

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Falta pouco para termos a confirmação do rumo de Mário Centeno.

E, assim, tal como há uns anos percebemos que, em politiquês, ‘irreversível’ queria afinal dizer ‘se me aumentarem o poleiro, fico’, compreendemos agora que por ‘iniciar novo ciclo’ devemos entender ‘passar a supervisionar as suas próprias decisões e as futuras acções do seu ex-Secretário de Estado’.

Por si só, a decisão de deixar o Governo no meio da maior crise de que o País tem memória far-me-ia questionar sobre as mais basilares qualidades de Centeno, não fosse a minha convicção de que tão deplorável atitude só pode ter justificação numa absoluta ruptura com o Primeiro-Ministro, da qual tivemos, aliás, múltiplos sinais, como é costume em circunstâncias similares.

O que de todo não percebo é que o ex-Ministro se disponha a protagonizar um episódio tão pouco dignificante para si próprio e para o País que honrou defender.

Em face desta rocambolesca novela, o Parlamento discute, por iniciativa do PAN, um período de nojo para situações similares. A esse propósito, António Costa veio mostrar a sua indignação pelo “castigo” que tal regra importaria para o seu ex-Ministro das Finanças, e, a pouco e pouco, um a um, muitos têm criticado a oportunidade da proposta legislativa do Partido dos animais. Dizem eles – com razão, aliás – que num Estado de Direito não podemos admitir uma lei ‘ad hominem’ (isto é, dirigida ao caso específico de Centeno), mas, cobardemente, calam-se sobre a sua substância. E, entretanto, o próprio Centeno, em entrevista à RTP, afirmou que não conhece nenhuma regra escrita, em nenhum outro país, que proíba tal mudança.

Ora, na medida em que ao exercício daquele cargo subjaz necessariamente a realização do interesse público, é indispensável que aquele exercício garanta aos portugueses a inexistência de qualquer indício de promiscuidade. A confiança dos cidadãos no Estado e na Administração Pública, especialmente quando está em causa uma entidade supervisora, é um pilar fundamental da democracia e, por isso, é importante preservá-la (e, no nosso caso, reforçá-la, já que a confiança dos portugueses no Estado anda pelas ruas da amargura).

Assim sendo, pouco me interessa se outros Estados democráticos reduziram ou não a escrito a obrigação de respeitar o tal período de nojo, pois não tenho dúvidas de que quanto maior for o sentido ético dos governantes mais facilmente se pode dispensar o formalismo da lei. Desconfio, pois, que nos tais países invocados por Centeno, nunca um Ministro de Estado e das Finanças se tenha atrevido a manigâncias semelhantes, pelo que bem compreendo que por lá a dita regra se afigure desnecessária.

Por cá, infelizmente, como todos sabemos, a história é outra, e, por isso, gostaria muito de ouvir de toda esta gente o que efectivamente pensa sobre o assunto e que, sem rodeios, todas as forças políticas se comprometessem com uma nova atitude em matérias semelhantes.

E o mesmo direi a propósito da inadmissível encriptação do Contrato de venda do Novo Banco, que nos toma a todos por parvos. Este assunto fede. Já ninguém suporta acusações e contra-acusações mútuas. Queremos saber por que estranha razão (ou por que conveniente cláusula contratual) continuamos a suportar os prejuízos de um Banco privado, que nos foi garantido como um Banco bom. Temos, todos, o direito de conhecer os exactos termos de um Contrato que leva o dinheiro que tanta falta faz ao nosso País.

Se para tal for preciso ignorar a responsabilidade de quem a tal nos obrigou, que se dane a dita. Aqui chegados, espero tão-somente que ninguém se conforme com aquele injustificável secretismo, já que o que nos deve importar é evitar que o País se faça ainda mais pobre e desgraçado até que o (alegadamente) Novo Banco se faça velho e autónomo.

E até lá, em nome da nossa saúde, calem o seu Presidente, porque já não há pachorra para tamanho desplante.
Assim não.

Assim, a política actual faz jus ao ambiente de chalaça do final do século XIX que Eça retratou n’Uma Campanha Alegre e assemelha-se cada vez mais a uma paródia televisiva. Assim, isto é gozar com quem trabalha!

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