Para começar, não posso dispensar duas declarações prévias.
Primeiro, devo dizer que acredito que o Mundo vai mesmo mudar, já que, em resultado desta pandemia, todos percebemos a importância das cadeias logísticas de produção e distribuição, dos nossos consumos, dos nossos tempos e modos de trabalho, e não mais ignoraremos as consequências, económicas, sociais e ambientais, das nossas opções.
Em segundo lugar, devo acrescentar que há muito defendo convictamente os benefícios do confronto de qualquer organização com ideias novas que a façam renovar-se e responder às exigências de um Mundo em permanente mudança.
Dito isto, bem se perceberá que reconheça a singular esperteza do nosso Primeiro-Ministro por ter pedido a António Costa Silva que delineasse o Plano de Recuperação Económica para o nosso País.
Devo ainda dizer que pouco conhecia deste super-gestor, para além, evidentemente, das suas declarações, enquanto Presidente da Partex (a petrolífera que defendia a exploração de petróleo no Algarve), de que a Geringonça governava “em função do que dizem os autarcas e a opinião pública”.
E, por isso, ouvi-o atentamente no passado domingo, na RTP, onde apresentou o seu Plano para o País.
Afirmou que é preciso “apostar nas infraestruturas físicas do País, modernizá-las todas”, “requalificar a rede viária, intervir no sistema de portos” e em “todas as estruturas que têm a ver com a energia e com o ambiente, nomeadamente a rede eléctrica nacional e, depois, a gestão da água, dos recursos aquíferos”.
Disse que é fundamental “acelerar a transição digital, estender a fibra óptica a todo o território nacional e depois treinar toda a administração pública, escolas, universidades e centros de investigação”, implementar “uma galáxia de pequenos projectos que permitam aumentar as competências digitais” e, ainda, “um grande programa para as pequenas e médias empresas”, que force o seu desenvolvimento.
Pelo meio foi lembrando que é urgente “qualificar o Serviço Nacional de Saúde, apostar em equipamentos, em recursos humanos e rever todo o sistema das ciências da saúde”.
E ainda defendeu a “reconversão da indústria existente” e a “reindustrialização do País”, apostando nos nossos recursos naturais (lítio, cobalto e manganês), e garantindo, assim, a tão desejada sustentabilidade ambiental.
Confesso que temi algumas reacções ao que me parece um verdadeiro Programa do Governo, mas a verdade é que, até agora, ninguém veio dizer que o homem metera a mão em seara alheia. Segundo as suas próprias palavras, António Costa Silva reuniu com o Chefe de Governo no passado 24 de Abril e, em pouco mais de 24 horas, traçou o tal Plano para Portugal. Ora, assim sendo, haverá um rol de Ministros que inevitavelmente terão percebido que não fazem falta nenhuma ao seu País e nem ao seu próprio Chefe, mas, para já, ninguém bateu com a porta…
Se estivéssemos no tempo do Passos Coelho e eu fosse o comentador da Quadratura do Círculo, António Costa (à época Presidente da Câmara de Lisboa e putativo líder da oposição), diria que esta opção é um escândalo. Mas, como sou apenas uma portuguesa esperançosa que o País se desenvolva, tanto me fazendo que tal suceda pelas mãos de uns ou de outros, desejo sorte a ambos os Costas… e, já agora, a todos nós, para que, por esta vez, a montanha não venha a parir um rato.
Porém, pela parte que me toca, apoquenta-me um pouco que a oposição (que, responsavelmente, dera o braço ao Governo nesta época difícil, prenunciando uma aliança estratégica em prol do futuro do País) não obrigue o Governo a discutir o tal Plano – ‘à séria’, como agora se diz – no Parlamento.
Pelo contrário, enquanto António Costa lembra o ‘marido entusiasmado’ que leva a amante para casa disfarçada de criada, Rui Rio parece a ‘esposa de fachada’ que elogia as qualidades da serviçal, para manter as aparências.
Não basta dizer que a democracia vive em São Bento, é preciso que o Parlamento faça prova de vida em tão importante momento da nossa História.