Ainda que por acasos da História e respetivos calendários, 25 de Abril ao lado de 1.º de Maio é quadro que fica bem. Viu-se logo em 1974, o 1.º de Maio das multidões de Portugal inteiro a confirmar a Revolução que triunfou no coração de Lisboa. E também agora, num tempo de emergência sanitária em que a ameaça obriga à decisão. Tal como em 1974, no xadrez da vida política as peças posicionam-se, mas a fileira dos peões sem salário cresce a olhos vistos. O Dia do Trabalhador de 2020 comemorou o Trabalho ao mesmo tempo que se levantou em defesa dos muitos que o perderam.
Neste Maio de 2020, muitos dos encerrados-em-casa sairão dali desabrigados, passando literalmente da emergência à calamidade – destituídos de posto de trabalho, de salário, de esperança, alguns até da casa que habitam. A “economia” há de encontrar-lhes um posto, mas só no momento em que o desespero os obrigar a vender a sua força de trabalho em condições de absoluta precariedade, aceitando um salário de miséria. Se mais méritos não tem, o coronavírus demonstrou que sem trabalhadores não há economia, nem saúde, nem educação, nem vida. E demérito maior não encontramos no “bicho” do que ser um pretexto para acentuar o ataque aos direitos de quem trabalha, num festim cujo ponto alto é a repartição de lucros pelos acionistas nas empresas mais poderosas – só a EDP vai repartir entre os “seus” (poucos) acionistas 694,7 milhões de euros.
O argumento das incapacidades do sistema capitalista vem deixando de ser um exclusivo de “perigosos vermelhuscos”, ficando claro que, no mundo empresarial, só as micro, pequenas e médias empresas foram afetadas pelos constrangimentos sanitários. A evidência é a de que a condição social destes empresários tem mais de trabalhador do que de CEO, nem que seja por natural incapacidade de acumulação de lucro e acesso a financiamento.
Não devem tardar os defensores dos “sacrifícios”, apoiados por uma legião de comentadores, jornalistas, especialistas, influenciadores, políticos, passando o ónus da “crise” para os de sempre – os trabalhadores – muitos deles, diga-se de passagem, convencidos da fatalidade da sua condição de construtores dos lucros do grande capital e da grande finança.
A ministra da Saúde revela, pelo seu lado, grande solidariedade para com as empresas da Saúde, que assumiram o conhecido papel de ausência ao longo de toda a crise (que dura ainda). Não se ouviu à governante nem uma palavra de intenção de reforço do SNS. Para quem há muitos anos leva à tribuna da Assembleia Municipal de Coimbra a questão da necessidade de reabilitação dos Covões ( que tão determinantes foram nestes dias de luta contra a Covid19 ), as declarações da governante não chegam a ser uma desilusão (só se ilude quem quer), mas bem se dispensava a confirmação… Atente-se, porém, que as más notícias para uns podem ser a salvação de outros: respiraram de alívio os que praticam a inexistência de vínculos laborais, a desregulação dos horários de trabalho, a predação dos subsistemas de saúde, a transformação da Saúde em privilégio. Tão aliviados ficaram, que uma das empresas de saúde da Cidade fez publicar nas televisões um anúncio rejubilante, tal como faria a carraça no dia em que, depois do banho, lhe fosse garantido o regresso ao lombo do cão.
Mas é o Trabalho aquilo que nestes dias se comemora, reivindicando o aumento geral de salários para todos os trabalhadores, a valorização das profissões e das carreiras, o aumento do Salário Mínimo Nacional, a regulação dos horários e a sua redução para as 35 horas semanais no sector público e privado, o combate à precariedade aplicando o princípio de que a um posto de trabalho permanente corresponde um contrato de trabalho efetivo, a garantia dos direitos incluindo o de ação sindical, manifestação e greve, a revogação das normas gravosas da legislação laboral.
O caderno de encargos é grande e o inimigo é poderoso, mesmo quando quer convencer os trabalhadores de que são “colaboradores”, dando-lhes a digerir cápsulas de semântica daquele que é, naturalmente, o mais precário dos não-vínculos. No dia em que a figura elegante da “dispensa de colaboradores” assuma o real significado de despedimento de trabalhadores, talvez muitos dos visados consigam abrir os olhos para o velho apelo de “uni-vos!”. Muita luta nos espera.