Como disse Gandhi – e se bem o disse, melhor o demonstrou – “o medo tem alguma utilidade, mas a cobardia não serve para nada”.
Bem compreendo, por isso, que o nosso Primeiro-Ministro nos peça para vencermos o medo do temível vírus que nos espreita, ansioso por qualquer descuido, para, consciente e gradualmente, retomarmos as nossas rotinas, num esforço comum que minimize o impacto desta pandemia.
Compreendo que nos peça para não ficarmos reféns daquele temor, da mesma maneira que antes compreendi o seu apelo para que corajosamente nos recolhêssemos em casa, abrandando (e nalguns casos parando totalmente) a nossa actividade, mesmo sabendo que assim comprometeríamos os rendimentos para o nosso dia-a-dia.
É coragem que António Costa nos tem pedido e é coragem que eu dele espero também, na medida das suas responsabilidades e dos desafios que a todos assolam.
“Que, nos perigos grandes, o temor/ É maior muitas vezes que o perigo”, escreveu Luís Vaz de Camões, n’Os Lusíadas, e, dando razão ao poeta que em Coimbra se fez gente, entendo que neste tempo de grande perigo não devemos tolerar temores maiores.
Por mim, combato o medo, desculpo erros, falhas, e até contradições, mas não tolerarei cobardias.
E, por essa razão, bem sabendo que, pelos abusos de que foi recentemente vítima, a palavra ‘austeridade’ acorda em nós medos de fantasmas passados, não aceito que o Primeiro-Ministro fique preso à má memória daquele termo e ignore o seu dever de verdade com o povo que representa… até porque tal demagogia me desperta outros espectros de muito pior lembrança.
Por isso, não gostei das suas últimas afirmações relativamente à desnecessidade de políticas de austeridade, ignorando a brutalidade com que aquela já atingiu os portugueses.
Ou a existência de mais de 100 mil empresas em lay-off, envolvendo mais de 1 milhão de trabalhadores, não é já a austeridade a mostrar ao que vem!?
E nem a inscrição de mais de novos 50 mil desempregados, no passado mês, é prova da dita!?
Ou os relatos de uma imensa população que, vivendo da economia informal, está hoje à mercê da caridade alheia, sem quaisquer apoios ou rendimentos, não são sinais da mais dura austeridade!?
É austeridade, sim, e é selvagem, sem rei nem roque, pois, como já antes sucedera, tem poupado os mais fortes e fustigado os mais frágeis. E, por isso, tem de ser corajosamente agarrada pelos cornos e solidariamente distribuída pelas aldeias (pois é de um mal que se trata e só assim, em pequenas doses, se tornará tolerável).
Por isso, espero que António Costa fale verdade aos portugueses, sem medo de perder votos em futuras batalhas políticas, como prova da mesma coragem que nos pede, pois neste tempo precisamos todos de saber de que massa somos feitos (e que não seja “metade de indiferença e metade de ruindade”, como a descreveu José Saramago no ‘Ensaio sobre a cegueira’).
O Primeiro-Ministro deve, pois, ser exemplo de união e responsabilidade, definindo políticas de boa e rigorosa gestão da coisa pública (que em época de crise exige sobriedade e estoicismo), pois, se o não fizer, estará, cobardemente, a falhar àqueles que de si mais precisam, em nome de uma ambição e de um calculismo político que não lhe desculparei.
Dele espero, pois, o anúncio de políticas sérias, que distribuam a famigerada austeridade por todos, em vez de estremarem os portugueses em duas equipas opostas – como se de um lado pudessem ficar os trabalhadores do Estado, cujos privilégios fossem sempre garantidos, e do outro flanco, a restante populaça se devesse contentar com os 2/3 de salário que o lay-off assegura ou com os míseros subsídios com que o Estado minimiza a privação de quem perde o emprego – para, no final, como é hábito, pagarem todos com a mesma moeda, através dos impostos escondidos (indirectos) que ninguém vê.
Oxalá António Costa não fique refém de temores maiores do que os perigos que nos ameaçam e seja capaz de exibir a coragem que esta crise exige, porque, doutro modo, como disse o ‘Pai da Pátria’ indiana, não nos servirá para nada!
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