Opinião: Morte enforcada

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Jaz morta e apodrece a obra de Bissaia Barreto. Jaz morta e putrefacta a exegese, a sofisticação, a cultura de um tempo de grandes patrões. Bissaia rodeou-se, como muitos que conheço, daqueles que nunca o criticavam, os que o temiam, dos silêncios cúmplices, dos que genuflectiam, dos que acenavam sim com um objectivo de emprego. A liderança bruta, como a liderança vaidosa gosta de paus mandados, de chaperons, de seguidores quase acéfalos, que permitem o governo do pavão.
Depois dos servos há a ausência de fiscalização que lhes interessa como a mais ninguém. Tudo isto para explicar como dezenas de sucessivas escolhas medíocres condenaram a obra à morte. Escolhidas lideranças ocas, estrategas vazios, pessoas que sonham com empregos mais que com tarefas: vimos condenada a ARS do Centro, o Rovisco Pais, a Maternidade, o Hospital Pediátrico, e agora os Covões ao destino da inoperacionalidade, ao final trágico da peça de teatro. Bissaya paga a sua escolha como o Rei que se deixou cortejar pelos piores dos seus fidalgos. Já assim fora com a obra do Prof. Bacalhau que já poucos conhecem, e agora vamos assistir à derrocada do sonho de um dos braços direitos de Salazar.
A verdade é que o princípio escolar se faz de confronto, de discussão, de tolerância do contraditório e na sua ausência, todos os processos se condenam à matança do pai para a projecção do filho que quer ser maior. A verdade é que se os filhos são fracos, a obra decorrente será pior que a mestria perdida. O que estamos a ver nos Covões e já tínhamos visto no Pediátrico, na Maternidade e vamos assistir no Rovisco Pais, não é a melhoria do sistema, nem a definição estratégica do futuro. Escolhidos os comprometidos, dado o protagonismo aos que calaram e silenciaram a revolta dos trabalhadores, borrada a história com riscos e porcaria, ficámos perante esta situação decorrente do desígnio pobre das opções tenebrosas.
O hospital dos Covões tem orifícios onde cabem mesas nos seus telhados, tem paredes carregadas de salitre, e as obras começaram pelas janelas num contrato que levanta suspeição pois ninguém coloca janelas e pladur onde a água corre em bátegas. Ninguém pinta paredes húmidas. E para que se fazem obras se não se desenhou uma solução e um caminho? Ontem estavam a desmontar a cardiologia, a apagar a pneumologia, fecharam a cadeado as enfermarias de cirurgia. O hospital dos Covões como a Maternidade, como o velho pediátrico, como o Lorvão, como o Sobral Cid são memórias enforcadas na entrada da ponte D. Inês iluminando a vaidade de “filhos” que fizeram da sua obra a morte do pai.
Não quero terminar sem um louvor público ao Director Clínico que agora nos deixa, o Dr Parente, que conseguiu fazer do silêncio a sua obra-mestra, conseguiu fazer da ausência de discurso e de projecto o seu magistério, permitiu que todos menos ele liderassem o momento Covid, e apoiado por um Presidente de Conselho, de que não teremos saudades, porque conseguiu levar o navio contra o porto, sem bóias, sem baleeiras, com uma despesa descontrolada, com uma escolha incompreensível de timoneiros.
No CHUC ele sai sem resolver o estacionamento, sem resolver as maternidades, sem resolver a pior posição no benchmarking de unidades equivalentes, sem solucionar o despesismo da farmácia, das compras avulsas, sem resolver as consultas externas com tempos inaceitáveis, sem pudor pelas lideranças públicas a par de privadas a menos de três quilómetros, sem investigar a má gestão dos blocos operatórios, sem explicar o desaparecimento da transplantação, a morte da cirurgia torácica, sem demonstrar a vantagem de salários milionários para meia dúzia, … enfim … o artigo não terminaria. Ide, levai as trevas nos bolsos, levai o amargo que vos coloca catarátas, a alergia ao anonimato, o pântano de ideias. Por mim, arrancaremos qualquer lápide que vos louve ou exalte!

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