É costume dizer-se que em momentos de catástrofe o essencial é a união, devendo-se evitar qualquer tipo de comportamento que possa provocar algum tipo de desatenção do objetivo principal. E qual é esse objetivo? Em primeiro lugar, cuidar das pessoas e tentar que os efeitos negativos (infeções e mortes) sejam minimizados, na medida do possível. A seguir, vêm os objetivos económicos, isto é, a necessidade de cuidar da nossa forma de vida, pois um colapso económico tenderá a dificultar o combate ao vírus, por falta de recursos, e, para além disso, lança muita gente na miséria e no desespero.
Por isso, eu recomendo desde sempre que se mantenha um comportamento crítico muito assertivo, pois isso ajuda e muito.
O Governo e as instituições nacionais, salvo raras exceções, responderam tarde a esta ameaça, não aprenderam o suficiente com o que se passava em Itália e Espanha e desvalorizaram o efeito desta catástrofe que acabou de se abater sobre nós.
Para além disso, paira no ar uma estranha sensação de que alguém anda a martelar os números. Ainda ontem, o Jorge Buescu do IST dizia isso num texto em que estimava que o número real de infeções estaria acima de 30 mil, podendo estar muito perto de 100 mil. Não sabemos, porque não testamos o suficiente, mas, com taxas de positivos a rondar os 40% a 50%, é bem possível que o Buescu tenha razão. Martelar os números significa que estes parecem estar a ser ajustados. Espero que não seja verdade, pois isso seria somente criminoso.
O Governo começou com um pacote de 300 milhões para ajudar as empresas e os salários. Depois foi crescendo, e em dois dias chegou aos 10 mil milhões. Agora fala em números de défice assustadores ( 10% a 15%) e avisa que “o país não ficou rico de repente”, ou seja, “não tem margem infinita para responder à crise”. E se isso é somente lógico, pois nenhum país, nem o mais rico do mundo, tem margem infinita, não deixa de ser curioso verificar que o país do “Ronaldo das finanças” tenha concluído, de repente, que as suas infraestruturas estavam muito debilitadas. Isso quer dizer, que a situação real do país, refletida nos números do défice, por exemplo, não era a real, e que avaliar o desempenho de um Governo pelos valores de índices económicos e financeiros é muito enganador. Na verdade, áreas como a saúde estavam no limite, não tinham condições mínimas de funcionamento e revelaram as suas dificuldades extremas mal o problema se começou a agravar.
A situação mais grave foi a de falta de proteção do pessoal da saúde. Como é possível entender que um país, que ia apresentar um saldo orçamental positivo, não tivesse reservas mínimas de material de proteção de médicos e enfermeiros? Como é possível que esse mesmo país tenha demorado uma semana ou mais a contar ventiladores (eram tão poucos que eles nem acreditavam no resultado da contagem e repetiam-na incessantemente), sabendo-se que tinha pouco mais de 500? Como é possível que ainda hoje não se esteja a testar toda a população, o que, aparentemente dá uma imagem irreal do número de infetados em Portugal? Não será que todo esse “sucesso” orçamental foi obtido tendo por base uma política de desinvestimento que colocou em risco muito sério a população portuguesa? Até que ponto pode um Governo, eleito para gerir o interesse público, correr riscos tão significativos relativamente à vida dos seus cidadãos? É legítimo que tudo isso se sobreponha ao bem-estar de todos e anule grande parte das regras de prudência e o cuidado que devem ter os gestores públicos, no que se refere a acautelar o interesse comum?
A situação que se vive em Portugal é dramática e exige de todos nós um esforço de união para debelar esta crise, mas um esforço de igual ordem em querer saber o que está a ser feito, com que meios e como será possível evitar males maiores.
De forma alguma se devem fazer avaliações, mas devemos saber se continuamos a cometer os mesmos erros, pois isto ainda agora começou e tem um enorme potencial para correr muito, mas mesmo muito, mal. Nessa perspetiva, recomendo que mantenham um espírito crítico e exijam que o cenário seja conhecido com o máximo rigor. Porque isso é essencial para que sejamos capazes, em conjunto, de resolver este enorme problema. Depois, lá mais para a frente, revisitaremos todo o processo e avaliaremos em detalhe tudo o que foi feito. Ser crítico, com responsabilidade e sentido patriótico, ajuda muito.