E se não tivermos razão? O exercício de contraditório é um dever e uma obrigação das democracias a que alguma esquerda neo-fascista, como a direita trauliteira e a ignorância, ou a cultura inculta, são alheias e avessas. Onde surgir a unanimidade absoluta devemos estar perante uma situação cientificamente indubitável, ou uma garantia de experiência construída, ou uma epifania limitadora de liberdade, ou uma bondade infinita. Falo por exemplos, da rotação da Terra, da Lua à nossa volta, da desumanidade do holocausto, da atribuição do prémio Nobel para Nelson Mandela. Tudo o resto é discutível. Deus existe? Nós somos o que pensamos ser? Os direitos e os deveres humanos são claros para todos?
Clément Rosset falou por diversas vezes da realidade e seus duplos, das verdades múltiplas que nunca consistem na realidade. O direito baseia os seus julgamentos na contextualização dos factos e portanto a primazia do real sobre a versão dos testemunhos.
Agora vamos imaginar que Bolsonaro tem alguma razão apesar da forma cabotina como se apresenta. No que toca à comparação com a gripe não tem razão.
Vamos supor que o confinamento não era necessário para salvar toda a gente. Mais ainda: vamos tentar aceitar a ideia que o confinamento não era necessário, que a OMS não esteve à altura, repetindo as falhas da gripe das aves. Os dados mostram de forma surpreendente que não estão a morrer mais pessoas no mês de Março 2020 na Europa que no ano de 2019.
– Estão sim! Não vê na Televisão? – Pois é, eu vejo, impressiono-me e ganho medo, mas o facto é que o número de óbitos é determinado por certidões de óbito e não são mais agora do que eram no Março de 2019. Nem mesmo para Itália isto é verdade. Então que se está a passar? Será explicado um dia, mas este artigo destina-se a colocar em causa os nove unânimes reforçando a importância do décimo homem, sua livre opinião e garantia de um contraditório. Também não é verdade que todos os que estavam num cruzeiro cheio de gente, passeando corona vírus, se tivessem infectado ou mesmo que dos idosos infectados todos tivessem pneumonia. Os dados sobre este cruzeiro dão polémica e ainda não acabou a crise. Há uma apresentação clínica da doença que é impressionante e acarreta uma pressão sobre os serviços de saúde. Há uma apresentação média que dá sintomas exacerbados mas sem trazer pneumonia. A generalização do pânico condicionou uma pressão brutal sobre as famílias, sobre as empresas e sobre os sistemas de saúde. As lideranças que muitas vezes foram escolhidas pelo cartão partidário revelaram a sua limitação em fazer um plano reflectido, com avaliação das circunstâncias e consequências, mas os discursos estão quase unanimemente conduzidos pela OMS. E se aqueles tipos forem como o Carlos Costa e o Vítor Constâncio? Ceguinhos! Esquecidos. Mutilados nas decisões fundamentais?
Em 4 de Junho de 2016 o editorial do The Economist afirmava que “o Discurso livre estava debaixo de ataque”. A terceira das causas era a opinião popular, a ideia dos grupos de direitos e das minorias defendendo intolerantes posições contra divergência de opinião. Terminava o editorial com um apelo:
– não tentem silenciar pontos de vista com que discordam, respondam de modo objectivo a qualquer discurso, ganhem argumentação sem insultos e sem violência.
Imaginemos que no fim de tudo isto escolhemos um caminho errado. Não estou a julgar nem a dizer que sabia fazer melhor, estou a argumentar que temos de ouvir todas as opiniões sem nos excitar ou fanatizar. Não afirmo que não confinava. Pode acontecer que a epidemia se fosse como veio, num sopro de vento. Pode ser científico que um país como o Brasil sirva de amostra controle para ver como seria se não confinássemos tudo. Sabemos agora que batemos contra uma parede dura, íamos com força, mas a velocidade não era mortal para todos os ocupantes do veículo, e alguns air-bags abriram. Resta observar os resultados e avaliar com rigor as opções da crise. Não temos certezas nem temos nada claro: fármacos, ventilações, conglomerado de doentes, sobrecarga dos serviço nacional de saúde, confinamento, dados epidemiológicos.