Opinião: Dívida prescrita, uma vez invocada, é dívida que se risca, é dívida apagada

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“O fornecedor exige-me 799 € de águas passadas. Numa casa fechada que meu pai habitara. E cujo pretenso fornecimento (ter-se-á apurado depois) já vem de 2018. O caso está para resolução.
Mas é um exagero e não está sequer ao alcance da minha bolsa satisfazer montante tão elevado. Nem é justificável o que se apresenta como consumos.
O que me recomenda?”

“Águas passadas não movem moinhos”!
Dívidas passadas não são reclamadas?

As dívidas extinguem-se pelo pagamento. No tempo e no lugar próprios. E ainda se extinguem por prescrição.
A prescrição é meio de extinção de dívidas pelo simples decurso do tempo. Por razões de segurança jurídica. O período de tempo é, para o efeito, o estabelecido na lei: Código Civil, Lei Geral Tributária, lei avulsa…

O prazo geral de prescrição é de 20 anos. Há prescrições de 8, de 5, de 2 anos… Outras baseadas na presunção do cumprimento. E para os serviços públicos essenciais o período é inferior aos estabelecidos no Código Civil, como na Lei Geral Tributária: é de 6 meses, por via da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (artigo 10.º).

Esgotado esse período após o fornecimento, a dívida extingue-se, desde que, uma vez interpelado para pagar, o consumidor invoque judicial ou extrajudicialmente a prescrição. A dívida deixa de poder ser judicialmente exigível. Remanesce apenas uma obrigação natural.

Portanto, para que a prescrição surta efeito, é preciso que à passagem do tempo se some a invocação pelo interessado de que o tempo para cobrar a dívida já se esgotou, por qualquer dos meios previstos.

O consumidor tem de invocar a prescrição ou por carta, se o pagamento tiver sido exigido por esse meio, ou na acção judicial ou em injunção, se esse tiver sido o meio escolhido pelo fornecedor para a cobrança.

Se o não fizer, isto é, se o consumidor não invocar a prescrição, será condenado no pagamento da dívida em aberto, ainda que o tempo de prescrição haja ocorrido. As dívidas extinguem-se, por outro lado, pela caducidade da diferença.

Em que consiste a caducidade do direito ao recebimento da diferença do preço?
Se, por exemplo, o fornecedor facturar 100, em vez dos 1.000 consumidos, terá direito a receber a diferença. Mas não pode exigir tal diferença (os 900) a todo o tempo. A lei estabelece um limite. Se, meses depois, o credor facturar a diferença, o preço é devido se o for dentro do tempo previsto na lei; se exceder esse tempo (no caso, 6 meses), a dívida extingue-se por imposição da lei.

O direito de pedir a diferença caduca, cai, como o fruto maduro cai da árvore, depois de um dado tempo de maturação.

Tanto a prescrição como a caducidade da diferença do preço, nos serviços públicos essenciais, é de 6 meses.
Na prescrição, como se disse, o conhecimento é provocado, isto é, terá o consumidor, por si só ou pelo advogado constituído, de a invocar, na acção como na injunção.

Na caducidade, o conhecimento é oficioso (o tribunal conhecerá da caducidade, independentemente de eventual invocação pelo consumidor).

O juiz conhece, pois, de ofício, por imposição da lei, a caducidade. As decisões do Supremo Tribunal de Justiça vão nesse sentido.

Pelo sim, pelo não, à cautela, o consumidor deve também invocar em seu favor a caducidade do direito à diferença do preço.
Ao consumidor compete, pois, ter em atenção a data da factura (correspondente à prestação do serviço) e ao mais para poder avaliar se a prescrição e a caducidade se verificam e são susceptíveis de invocação, segundo os casos.

Mas, para além da prescrição e da caducidade da diferença do preço, há ainda a considerar a CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO, que é também, por lei, neste caso, de 6 meses.

A ação de dívida tem de ser proposta dentro dos 6 meses da data do fornecimento. Se o for depois, o direito do fornecedor de instaurar a acção ou de requerer a injunção caduca, isto é, a acção ou a injunção cai, naufraga, não prossegue seus termos, o processo termina com a decisão liminar do julgador.

E aí nem sequer há necessidade da invocação, pelo consumidor, quer da prescrição, quer, eventualmente e à cautela, da caducidade da diferença do preço porque não será citado para a acção por esta haver sido proposta fora de tempo.
Que o não esqueçam os fornecedores, como no caso, em que meteram os pés pelas mãos e criaram um sério problema ao consumidor.

A dignidade dos consumidores e a dos serviços exigem-no, impõem-no!

Poder ler a opinião de Mário Frota na edição em papel desta quarta-feira, 5 de fevereiro, do Diário As Beiras

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