Opinião – Cognitaria II – Servo da verdade e dever – Saúde

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Têm de me desculpar a frontalidade. Não tenho como objectivo ofender ou melindrar alguém, mas é a minha verdade e dever anunciar o que penso e porquê.
Quando me jubilei, conjuntamente com dois colaboradores, mas com a participação de todos, fez-se um documento do Serviço de Ortopedia e Traumatologia. Mandou-se um exemplar a Sua Excelência o Presidente da República, alertando para o que estava a acontecer e prevendo as consequências. Sua Excelência comunicou-me que o tinha mandado para as autoridades de Coimbra, as quais eu já tinha também alertado.
Enquanto presidente do Conselho de Gerência, foi aprovada a lei que designo por lei da subserviência, isto é, da nomeação para os cargos e não por eleição. Todos os colegas do PPD recusaram-se a ser directores sem ser eleitos. O primeiro a aceitar era todo esquerdista e até tinha aprendido muito de cirurgia comigo. Foi para Vila Real. Os outros, só três anos depois é que começaram a aceitar.
Mas conto esta história: sendo director do hospital o professor Meliço Silvestre, vem a Coimbra o Ministro da Saúde Paulo Mendo. Numa reunião na sala dos empresários, Paulo Mendo faz uma exposição brilhante sobre poupar. Ouvi, levanto-me e pergunto-lhe: “Se fosse director do hospital – e tinha sido – e tivesse um doente que carecesse de um medicamento, se não, morria, que fazia?”. Concordou que o comprava, mas ficou ressentido ou mesmo rancoroso, pois, três anos depois, foi a Lisboa o Professor Meliço Silvestre com um médico do partido e o director do hospital de Leiria e perguntaram ao ministro: “Quer alguma coisa para Coimbra?”. “Só se fosse a cabeça do Doutor Canha numa bandeja”, disse o ministro.
Quando a Comissão de Gerência a que eu presidia tomou posse, para fazer uma TAC, era preciso irem os 15 contos à frente. Passámos a pagar aos 30 dias e não tínhamos dívidas. Passados quatro anos, conseguimos bater o recorde da Europa na mudança de um hospital. Não houve partidarice. Trouxemos para Coimbra o centro da medicina portuguesa. Só houve um auto de averiguações que nem li, senão, não teríamos para Coimbra o centro da medicina portuguesa, pois faltaria, pelo menos, a cirurgia cardiotorácica e a medicina nuclear. Só que aquando da discussão do orçamento do hospital o secretário de Estado disse: “Só dou cinco milhões e quinhentos mil contos”. Nós respondemos: “São precisos seis milhões e quinhentos mil contos. De contrário, só declaração de voto” dizendo que discordávamos. Então o secretário de Estado disse: “Isso é pior que não assinar”. Mostrou um orçamento de seis milhões e quinhentos mil contos elaborado por um administrador dos HUC sem nosso conhecimento. De pronto e já levantado disse: “Então tenho-o cá amanhã com uma guia de marcha que perdeu a nossa confiança”. Os elementos da comissão defenderam-no: “Olhe que ele é bom rapaz. Não faça isso”. Mas quando chegámos à porta do hospital, sem termos trocado qualquer opinião, eles: “Até este momento todas as decisões foram tomadas por unanimidade. Essa, se se mantém a posição, também será”.
Só que no dia seguinte, vários administradores foram falar comigo a pedir clemência. Era um homem sério. Não o fizemos. Era tão sério que, um ano depois, já não sendo director, ele, como elemento do Conselho de Gerência, contou que a despesa tinha passado para sete milhões e quinhentos mil contos. É o que sucede com a partidarice e a forma de agradar: o caos do Serviço Nacional de Saúde a que se assiste.

 

Norberto Canha escreve à sexta-feira, semanalmente

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