Enorme alarido se gerou a propósito de procedimentos que a APIN – empresa intermunicipal do Pinhal Interior – adoptou tão logo iniciou a sua actividade, nos começos do ano.
A APIN agrupa 11 municípios, tendo-se-lhe cometido a gestão e a distribuição predial de águas às populações neles domiciliadas.
A cobrança de taxas de saneamento e de resíduos sólidos urbanos a quem não dispõe de tais serviços constitui, na realidade, algo que gera natural revolta em quantos são atingidos pela medida.
Para além da facturação de consumos mínimos e de alugueres de contador, ainda que com um outro qualquer pseudónimo.
Com efeito, a LSPE – Lei dos Serviços Públicos Essenciais – estabelece no seu artigo 8.º:
1. Proibida a imposição e a cobrança de consumos mínimos.
2. Proibida ainda a cobrança de:
. Qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços prestados;
. Qualquer outra taxa de efeito equivalente à adopção das medidas referenciadas no ponto anterior, independentemente da designação empregue;
.Qualquer taxa que não tenha uma correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora do serviço efectivamente incorra…
. Qualquer outra taxa não subsumível aos pontos anteriores que seja contrapartida de alteração das condições de prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor.
A lei, no entanto, é expressa em considerar que “não constituem consumos mínimos… as taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos…”
Ora, com a imaginação delirante que em dados momentos se apossa de certos actores, ante as proibições se entendeu, nos municípios, recriar outras figuras, em substituição das que o legislador neutralizara em 1996 (consumos mínimos) e 2008 (aluguer do contador).
E vai daí apareceram taxas com distinta nomenclatura:
. taxas de disponibilidade com múltiplas variantes
. taxas de facturação
. taxas de fiscalização
. taxas de volumetria
. taxas de potência contratada…
. taxas de emissão das facturas
. taxas ou quotas de disponibilidade: fixa e variável
. taxas ou quotas de serviço: fixo e variável
. taxas de potência
. taxas de volumetria
. termos fixos naturais
. parte fixa, parte variável
. …
E assim, de modo ilícito, as entidades gestoras arrecadam consideráveis montantes de que não abrem mão, seja a que título for.
Ora, como o regime é contratual e tais serviços se inserem no mercado de consumo, estas entidades estão naturalmente abrangidas pela Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984, pelo que tais actos configuram crimes de especulação passíveis de penas de prisão e multa (artigo 35 ).
Mas a Constituição da República também consagra, no seu artigo 60, os princípios por que se rege a tutela da posição jurídica do consumidor.
Ora, o princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor postula o corolário segundo o qual “o consumidor pagará só o que consome na exacta medida do que e em que consome”.
Por tal princípio se afere o equilíbrio do orçamento doméstico do consumidor.
Por conseguinte, quando os serviços ou as empresas entendem, por comodidade sua e menor consideração pelo consumidor, lançar na factura consumos estimados, isto é, consumos calculados em função sabe-se lá do quê (muitos dos operadores falam do histórico…), tais procedimentos são anómalos e ferem a Constituição da Republica.
Ora, os consumos estimados são susceptíveis de gerar quer subfacturação (se o consumo real for superior), quer sobrefacturação (se o consumo real for inferior).
Qualquer dos procedimentos afecta o equilíbrio dos orçamentos domésticos: na subfacturação, os encontros de contas poderão reservar surpresas para as economias de escassa dimensão, provocando desequilíbrios difíceis de suplantar; na sobrefacturação, há como que um empréstimo, não remunerado, mês após mês, à empresa, com a subtracção das diferenças da bolsa do consumidor e com reflexos no seu dia-a-dia.
Ora, a estimativa de consumo viola flagrantemente o princípio e, nessa medida, a eventual regra que nisso consinta, plasmada em regulamentos emanados do Regulador ou nos diplomas do governo, é inconstitucional, devendo como tal ser declarada.
Quase um quarto de século depois da promulgação da LSPE, os atropelos sucedem-se e os serviços de abastecimento de água ou as empresas de distribuição predial passam pelos princípios e pelas regras com “cão por vinha vindimada”!
Há que pôr cobro a isto. Terminantemente!
4 Comments