Opinião – A Justiça dos Lamirés

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Há muito que a Justiça Portuguesa nos vem deixando com a pulga atrás da orelha. E, mesmo quem não duvide – como é o meu caso – que a maior parte dos seus agentes (magistrados, advogados, funcionários judiciais e outros) seja gente de bem, que tudo faça para bem cumprir a sua função, é cada vez mais difícil ignorar que o sistema é muitíssimo menos eficiente do que o país merece.
Só na passada semana, merece especial destaque a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que condenou Portugal a pagar quatro mil euros ao advogado Ricardo Sá Fernandes, tendo entendido que houve imparcialidade por parte do Tribunal da Relação de Lisboa e que, por isso, aquele meu Colega não beneficiara “de um processo justo” no qual foram constatadas diversas “omissões” e “falhas”, e, bem assim, igual relevo deve ser dado à decisão de arquivamento do processo em que o ex-Presidente do Benfica, Vale e Azevedo, era acusado de se ter apropriado indevidamente de mais de 1 milhão de euros do clube, por se ter verificado a prescrição daquele procedimento criminal, uma vez que já haviam decorrido mais de 20 anos sobre a prática dos factos.
Ambas as decisões nos deixaram o amargo de boca que as tais pulgas atrás da orelha costumam provocar e que compromete a nossa confiança no sistema judicial português. No entanto, não creio que o assunto tenha sido novidade para alguém, já que, lamentavelmente, as condenações do Tribunal Europeu ao Estado Português não são raras e nem escassos são os arquivamentos por prescrições devidas aos invulgares atrasos da nossa Justiça.
A triste novidade chegou-nos, sim, pelas suspeitas noticiadas no passado fim-de-semana do alegado envolvimento de vários magistrados do Tribunal da Relação de Lisboa na “teia de tráfico de influências e corrupção no TRL” já detectada pela equipa liderada por Maria José Morgado no âmbito da Operação Lex, que investiga as ligações do Juiz Rui Rangel a empresários desportivos.
Segundo a TVI, o Juiz Luís Vaz das Neves, ex-Presidente daquele Tribunal, terá viciado o sorteio de um processo que o Juiz Rui Rangel propusera contra o jornal Correio da Manhã (por causa de uma notícia de um calote de Rangel a uma clínica onde realizara uma “redução do abdómen”) e que perdera em 1.ª instância. Parece, então, que, tendo percebido que o respectivo recurso cairia no Tribunal da Relação de Lisboa, Rangel terá dado um lamiré ao seu Presidente para que este “controlasse a situação”. Ora, de acordo com os SMS divulgados pela TVI, Luís Vaz das Neves terá sugerido “Manda-me o número do processo para que possa pedir que isto não seja já distribuído sem eu regressar” e acrescentado “Espero que tenham cumprido as minhas ordens”. A verdade é que o dito processo foi entregue a Orlando Nascimento, actual Presidente daquele Tribunal, que apenas se afirma “muito triste, pessoal e profissionalmente” com esta notícia. E, também, verdade é o facto de Rui Rangel ter vencido aquele recurso, o que determinou nova subida para o Supremo Tribunal de Justiça, onde o jornal veio a ganhar, em definitivo, a querela.
Estranho (muito estranho, até) é o facto de ninguém ter vindo desmentir o teor daquelas mensagens. Luís Vaz das Neves, numa nota enviada à agência Lusa, limitou-se a afirmar que nunca agiu dolosamente para gerar benefício em qualquer dos interessados nos ditos processos, mas tão-só porque alguns daqueles processos, pela sua natureza, exigiram a sua intervenção.
É pouco – parece-me – para quem se afirma inocente, porque (a confirmar-se a sua veracidade) aqueles SMS serão a prova de mais um feroz ataque à Justiça que, de olhos vendados, terá levado mais um real arraial de porrada de quem deveria defendê-la com unhas e dentes.
Pobre Justiça, ceguinha, cobardemente atacada pelos cães que lhe deveriam servir de guia… A metáfora é fácil, mas, antevendo o que sucederia a tais bichos, aguardemos pela decisão do Conselho Superior da Magistratura, a quem compete distinguir o trigo do joio em tão vergonhosa Ra(e)lação.

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