Se a TVI fez de Marcelo presidente, por que não havia o Correio da Manhã de poder fazer do André Ventura deputado? Foi mais ou menos esta a pergunta irónica que um ouvinte fez numa rádio, justificando que o agora líder do Chega! foi candidato derrotado à Câmara de Loures, tornou-se conhecido por ser um dos arruaceiros do comentário desportivo e, rompendo com o PSD, fundou a sua própria organização política, cujo programa foi em parte plagiado de um pequeno partido angolano. No hemiciclo do parlamento sentou-se à direita da direita. Sabe que a provocação lhe concede os seus minutos de fama. Diz tudo o que os mais desinformados querem ouvir. A sua forma é simples: toco e canto a música que quiserem dançar.
O populismo é um terreno fértil em sociedades que se cultivam lendo as letras gordas de jornais sensacionalistas, ou para as que simplesmente não leem, ou ainda para as que acham que um twitt se equipara um tratado filosófico. Mas vistas bem as coisas, quando o presidente Trump pensa com os dedos (dos pés, muitas vezes), e ruge frases no Twitter por estar convicto de que é assim que convence o povo americano, está tudo dito.
Na nova aguarela da Assembleia, dos 230 deputados, há dois que se têm destacado: Joacine e André ventura. Recentemente, Joacine Katar Moreira propôs pedir a devolução do património trazido das ex-colónias. Cometeu a originalidade de o fazer em sede de debate sobre o Orçamento do Estado. Qualquer outro que o tivesse feito não desencadearia tamanha urticária. Mas Joacine sabe como captar os holofotes mediáticos. Sabe desde a primeira hora que se levar consigo um assessor de saias se converte na rainha do baile. Um baile cheio de máscaras, um baile público a que todos assistimos. Joacine não tem qualquer agenda política, tem uma agenda pessoal centrada nela própria: feminista, negra e gaga.
A generalidade das pessoas sentiu-se ofendida por achar que o sentimento de Joacine por Portugal é pernicioso. Houve quem a acusasse de não usar a mesma veemência para com os saques das cleptocracias africanas que deixam na miséria o povo e abastam de colossais fortunas os governantes e seus familiares. Mas todas as vozes foram ofuscadas por uma única, a de André Ventura, que, na Assembleia, propôs que Joacine Katar Moreira fosse “devolvida à terra dela”. Joacine tem dupla nacionalidade, guineense e portuguesa. É, portanto, também portuguesa de pleno direito. Goza da liberdade de ser heroína ou idiota. E nós temos o direito de concordar ou de discordar.
Enquanto se discutiam as excedências xenófobas de André Ventura, surgiram novas imagens de um congresso do Chega! onde se viu a saudação nazi.
Joacine e o Livre romperam o enlace que os unia.
Ela teve a soberba de considerar que nada devia ao programa do partido pelo qual foi eleita. Achou-se a única dona do mandato, dos votos, da subvenção. O Livre é um fenómeno recente, como outros, sem base ideológica maturada. O Livre, que nasceu da epifania de unir a esquerda, não conseguiu sequer unir-se com a sua única deputada. Mas há uma questão importante: Joacine foi convidada para integrar as listas, recebeu um telefonema e aceitou. O Livre votou agora a sua saída. Viu-se livre dela. Renunciou ao populismo e por isso corre o risco de desaparecer. Curiosa, esta vereda da sociedade moderna…
Joacine era uma independente num partido. E os partidos, ávidos de captar independentes como se estes fossem a moral que alegadamente os seus militantes não têm, sucumbem a outras formas de populismo mais ténue.
Isto conduz-nos a uma última questão: fará, pois, sentido eleger deputados fora dos partidos? Sim. Elegeremos mais Joacines? Sim. E Mais Andrés Venturas? Sim, muitos. Mas é para aí que caminhamos. Os partidos são essenciais à democracia e devem permitir a concorrência de cidadãos independentes em listas próprias, para que todas as vozes sejam ouvidas. Quanto a nós, não devemos temer o nosso poder de escolha.