Iniciativas que contam… A Legalização da Eutanásia

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Deverá iniciar-se hoje [20 de fevereiro] o processo legislativo com vista à legalização da Eutanásia, que se estenderá ao longo dos próximos meses da legislatura. Trata-se da reapresentação de propostas submetidas no último Parlamento, que tive o privilégio de integrar, e relativamente às quais é pública a minha posição: em consciência votei “Não!”.
A verdade é que a legalização da Eutanásia é uma das decisões mais importantes que podemos ser interpelados a tomar. Foi-o sem dúvida para mim, enquanto deputada, e sê-lo-á enquanto cidadã se a tal vier a ser chamada. Trata-se de um debate técnica e politicamente complexo, com profundas implicações sociais e éticas e de abordagem difícil. Trata-se de uma “causa fraturante”, não porque de um lado estejam os “progressistas” e do outro os “reacionários”, ou de um lado os “iluminados” e do outro os “intolerantes”, como alguns de forma simplificadora e populista pretendem fazer crer, mas porque estão em confronto hierarquias de valores (liberdade individual vs bem comum) que verdadeiramente contam.
Trata-se de uma iniciativa à volta da qual se podem esgrimir muitos argumentos técnicos e contraditórios: da existência, ou ausência, de políticas de cuidados paliativos; da “eutanásia não se enquadrar na prática da medicina” como defendem as organizações médicas, ou, pelo contrário da “eutanásia ser um ato médico” como proposto nos diplomas em discussão.
Trata-se de uma iniciativa à volta da qual tanto gravitam populismos que fazem títulos de jornais, como se ignora informação relevante à decisão parlamentar. Sabia que, hoje como há dois anos, todas as entidades que se pronunciaram a pedido do Parlamento (Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Advogados, Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – CNECV) só emitiram pareceres negativos? Sabia que apenas 3 dos 27 países europeus têm despenalizada a eutanásia?
Trata-se de uma iniciativa à volta da qual as dúvidas éticas, médicas, jurídicas e políticas não são negligenciáveis. São dúvidas compreensíveis do mesmo modo que se tem que reconhecer tratar-se de um tema social complexo e sensível em função de sentimentos e experiências pessoais de sofrimento extremo e de ausência de esperança.
Contudo atrevo-me a perguntar: com tantas dúvidas, com tantos pareceres desfavoráveis das entidades chamadas a pronunciar-se sobre o assunto, como podemos enquanto sociedade votar favoravelmente?
Para mim a questão que verdadeiramente conta na legalização da Eutanásia é de natureza ética e ideológica: o valor da vida humana em sociedade e as responsabilidades do Estado face à vontade de morrer de um indivíduo.
O respeito pela liberdade individual e pelo direito à autodeterminação, que subjaz à legalização da eutanásia, são valores muito importantes. E é verdade que a sociedade tem evoluído relativamente a comportamentos de pôr fim à vida. O problema é que a Eutanásia não envolve apenas o respeito pela liberdade individual, exige o acordo e a ação do coletivo. Ao “direito de morrer” associa o “dever de matar”. Se legalizada, o Estado, sob o aval do corpo médico, terá a responsabilidade de matar os cidadãos cujos pedidos forem aceites.
Ora uma sociedade assente exclusivamente na liberdade individual, e nos direitos que a mesmo confere, asséptica relativamente a valores de coesão social, éticos ou morais é uma sociedade que se desfaz, enquanto tal.
Tal como Valter Hugo Mãe escreveu: “ Está à porta a discussão e provável aprovação da despenalização da eutanásia em Portugal e eu não sinto folia nenhuma no facto e não julgo que seja de celebração fácil.“. Recordo a votação final em 2018. Não celebrei com euforia. Senti apreensão pela divisão tão profunda do hemiciclo numa decisão tão importante, que considero a certa. Senti que tinha cumprido o meu papel. E senti orgulho, confesso, de continuar a viver num dos 24 países europeus, onde os valores de viver em sociedade não dão ao Estado o poder e o dever de matar em nenhuma circunstância. Senti orgulho de continuar a viver num país onde os valores de viver em sociedade dão ao Estado a obrigação de cuidar e defender a vida.

(para partilha de informações ou comentários pf escreva para: iniciativasquecontam@gmail.com)

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