Cada vez tolero menos o oportunismo de falsas acusações de racismo ou xenofobia.
Mas, desde há muito que, para gente racista e xenófoba, que julga o valor dos outros consoante o tom da sua pele ou o país da sua origem, a minha tolerância é zero.
Não há desculpa para racistas ou xenófobos.
O assunto é sério e, por isso, não podemos tolerar alegações de discriminação racial que apenas servem para atrair ou desviar atenções, conforme o interesse de quem as profere. (Não precisarei, pois, de melhor explicitar os motivos do meu absoluto desprezo pelos gritos de Joacine Katar Moreira no congresso do seu partido ou pelos argumentos de Isabel dos Santos, a negra menos negra de Angola, quando confrontada com as acusações do Ministério Público angolano, presidido por um negro mais negro do que ela.)
Tenho, pois, grande dificuldade em desculpar gente que se vitimiza, desprotegendo assim as verdadeiras vítimas.
Isto dito, porém, repito: não tolero racistas.
E há-os por aí, infelizmente, como percebemos há poucos dias, a propósito da detenção de Cláudia Simões, a cidadã portuguesa negra que terá sido, na melhor das hipóteses – vítima de excesso de força policial.
No caso, é difícil descortinar razão para tamanho aparato e, por isso, é obrigatório apurar se tal se deveu efectivamente à sua cor de pele, mas do que não pode haver qualquer dúvida é da inadmissibilidade do comentário publicado no facebook de uma estrutura sindical da PSP que desejava que o agente policial que deteve aquela cidadã não tivesse, naquela contenda, contraído “doenças graves”.
Há racistas por cá e nós vamo-los tolerando, mais do que deveríamos.
E, na semana em que se comemoram 75 anos da libertação dos prisioneiros de Auschwitz, é importante lembrar que, na Alemanha nazi, uns – xenófobos – sacrificaram um povo pela sua origem, e outros – cobardes – toleraram aquela xenofobia.
Não consigo distinguir o grau das suas culpas.
E insisto que, por tudo isto, me chocam as acusações oportunistas de racismo que vão enchendo os nossos noticiários (das inflamadas posições de quem no início deste ano garantiu que a morte do estudante cabo-verdiano do Politécnico de Bragança foi motivada por razões racistas, às declarações da filha do ex-presidente daquela República, que assegura que as acusações de que é alvo são motivadas pela sua origem africana), tão-simplesmente porque prejudicam aqueles que verdadeiramente sofrem de tais discriminações.
Ora, admitindo que a muitos tenha chocado a proposta do Livre para que o património das ex-colónias portuguesas, que esteja na posse de museus e arquivos nacionais, seja identificado, reclamado e restituído às comunidades de origem, por forma a “descolonizar” a cultura portuguesa, o que mais me chocou foi o despudor com que André Ventura propôs que “a deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem”. O deputado do Chega, contra todas as regras de urbanidade a que está obrigado, atreveu-se a mandar uma sua colega parlamentar para a terra dela. Como se esta terra não fosse dela também…
E o que me envergonha ainda mais é a cobardia de todos os que se calam perante tal inadmissível comportamento.
Não gosto de acusações oportunistas.
Nem gosto de racistas.
Mas gosto ainda menos dos cobardes que se calam perante racistas… porque, apesar de tudo, convém lembrar que o oportunismo é muito menos grave do que o racismo e que a cobardia é terreno fértil para que aí cresçam ambos.
Citando Hannah Arendt, lembro – à Joacine – que “o perdão é a única maneira de reverter o fluxo irreversível da História” e – ao Ventura – que “a pluralidade é a lei da Terra”, uma vez que quem a habita não é o Homem, mas sim os homens.
Ao deputado do Chega, digo, também, que me envergonham as suas palavras, e, ainda, que não o reconheço como meu compatriota, já que a minha pátria são a tolerância e a bondade e estas não têm côr nem raça.
A todos, deixo as certeiras palavras do Zeca: “Em terras/ Em todas as fronteiras/Seja bem vindo quem vier por bem”.