Opinião: Cristina, o Ronaldo da televisão

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Já que nada posso fazer para combater a loucura do Trump e nem para conter as anunciadas retaliações do Irão, tenho-me distraído com a actualidade nacional.
E, assim, ao invés de alimentar o medo com exaustivas análises das ameaças de uns e de outros (da destruição dos locais culturais do Irão até à “dura vingança” aprovada pelo Parlamento iraniano), entretenho-me com a transferência do ano.
Não, não quero esmiuçar a putativa transferência orçamental para o SNS (até porque suspeito que uma vulgar cativação tratará da saúde daqueles milhões – e da nossa saúde também, infelizmente).
E igualmente não discutirei as possíveis contratações milionárias de um qualquer craque da bola.
Importa-me, sim, a transferência do mais famoso Gato Fedorento para a SIC e as suas incríveis repercussões.
Primeiro foi a Cristas, depois o Costa e, nas últimas semanas, até o Rio e o Montenegro se pavonearam em frente das câmaras da casa da Cristina.
Dando, aliás, o seu a seu dono, devo lembrar que, antes de todos eles, já o nosso Presidente tinha aberto as hostilidades (ou, no caso, as amabilidades, talvez) com o celebérrimo telefonema de boa sorte no dia de estreia da rapariga da Malveira nos estúdios de Paço de Arcos. E, desde aí, um corrupio de gente afamada tem visitado a casa da estridente superstar da SIC.
Ao início, estranha-se (“o que raio vai ali fazer aquela trupe toda?”), mas depois entranha-se, conforme diz o slogan criado por Fernando Pessoa para a Coca-Cola.
De facto, aquela gente precisa de cativar os eleitores portugueses e muitos destes, cada vez mais envelhecidos, gastam as manhãs à frente do televisor.
Ora, este facto é uma verdadeira bênção e a maior das oportunidades para qualquer político, que, de uma assentada só, com maior ou menor espalhafato, pode exibir a uns quantos milhões de votantes umas poucas habilidades caseiras, na expectativa de que estas substituam a estratégia que habitualmente não têm.
O Programa da Cristina é, pois, o moderno sucedâneo dos useiros e gastos comícios da Praça Central de cada lugarejo… e, além do mais, mais acessível e eficaz.
De resto, os mais populistas, cientes do valor da caixa mágica, já haviam cativado lugar nos inúmeros debates desportivos que animam as noites televisivas e ali ganharam avanço na arte de seduzir o povo.
Há poucos meses soubemos também que a Ordem dos Enfermeiros pagara umas dezenas de milhar de euros pelo patrocínio de uma personagem da telenovela da noite como estratégia de dignificação da profissão. Pois bem, pouco me surpreenderia se em breve víssemos Costa e Rio (ou qualquer outro dos seus opositores) na novela das nove…
Ainda assim, o que agora me fez render aos dons da Cristina foi a ida do Ricardo Araújo Pereira à sua célebre casa.
Admito que o contrato de 50 mil euros mensais de que falam os jornais relativamente à transferência televisiva do ano contenha uma cláusula do género “Obriga-se o Outorgante Ricardo a atender UM telefonema por mês do Exmo. Senhor Dr. Pinto Balsemão para que lhe custe menos assinar o cheque; e mais se obriga, ainda, a aceitar TODOS os convites da Senhora Dona Cristina da Malveira provando que, afinal, em televisão é como no futebol: manda quem marca mais golos”.
E a verdade é que o Gato lá foi.
Por isso, mesmo que os meus ouvidos não se rendam àquele tom de voz (bastam-lhes os meus próprios exageros quando chamo os miúdos para jantar), declaro-me eu rendida à Cristina, o Ronaldo da nossa televisão.
E, de novo, aplaudo o Ricardo que ali afirmou a sua afeição por pessoas (“a minha malta vem sempre comigo”) e reafirmou o seu amor pela avó (a tal velhinha, de negro vestida, que o esperava à janela e lhe servia batatas amolecidas e húmidas, fritas com antecedência para garantir que o netinho não esperava pela comida).
A minha avó não se vestia de negro e nem me esperava à janela, mas também tapava as batatas fritas para não arrefecerem. E o resto, adivinha-se: também eu – tal como o Ricardo – me lembro dela todos os dias.

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