Parece ser da natureza dos ministros das finanças aquele ar enjoado com que os pais severos administram doses de “exigência educativa”. Logo por azar, em uns e outros, o ar enjoado é um traço que apenas causa irritação. A crispação dos gerais e domésticos governantes é a pior maneira de lidar com o futuro, sendo sabido que a própria vida lhes há-de amaciar o sobrolho a golpes de realidade. Escusado, portanto, tanto dramatismo.
As finanças são o centro das governações, mas só porque lhes pertence a divisão das riquezas. Ali não se produz nada. Não fora a educação, a saúde, a indústria, a agricultura, a cultura e demais humanidades – movimentadas pelo Trabalho – e as Finanças ficariam reduzidas à insignificância do distribuidor de nada. Saibamos, por isso, pô-las no devido lugar e vamos lá àquilo que interessa: as opções políticas.
Dizia nestes dias Centeno – agora mais solto das antigas obrigações de negociar à esquerda – que “o país merece agora um debate responsável. Não espera maiorias negativas, por serem isso mesmo. Por serem negativas”. Já cá tivemos um sisudo, que foi tudo o que se podia ser na governação deste país, que falava mais ou menos assim. O termo da altura era “forças de bloqueio”, mas o apelo ao “debate responsável” já vivia no discurso de então.
Pois é. Tivesse havido outro significado para “responsabilidade”, houvesse mais capacidade de organizar as “forças de bloqueio” e não estaríamos hoje, certamente, na posição de dependência que é a dos que precisam dos “mercados” para se financiarem, das importações para se alimentarem, das esmolas “europeias” para se especializarem, das autorizações dos eurogrupos para se governarem, das rotativas do BCE para terem o que pôr no porta-moedas.
Foram décadas de governação “responsável” as que nos fizeram abater barcos, liquidar indústrias, substituir floresta por pasta de papel com folhas, encurralar agricultura e comércio nos interesses da grande distribuição, oferecer os CTT, roubar-nos GALPes e EDPês, desmontar a CP, manter os rendimentos do trabalho abaixo de qualquer salário do “pelotão da frente”, no “oásis” que nos impingiram.
Por imperativos da aplicação da tal “responsabilidade” produziu-se um país em “alternância” que, não fora a pausa imposta a Passos/Portas, estaria hoje ainda mais longe do Futuro que Centeno nos anuncia, mas pouco.
Saiba-se, porém, que não há Orçamentos imunes à discussão – antes ou depois de acontecerem, no inevitável confronto entre a folha de excel e a vida. E saiba-se também que os orçamentos, desde S. Bento à casa de cada um – passando obviamente pelos órgãos de poder local – só servem ao povo miúdo, que somos nós, se resultarem do acerto de posições, em maior ou menor coincidência.
E já que a unanimidade não é cenário possível no natural ambiente do confronto de interesses, abandonemos então os patéticos juízos de “responsabilidade” e responsabilizemo-nos por acertar posições – de que esteja ausente a fulanização (que é equivocada matéria de malditos e salvadores) e a tentação da sedução dos fracos (que, em reinventado caciquismo, não são mais do que espingardas da contagem que, coitados, os há-de descartar). E já que é de futuro que se trata, sentemo-nos então à sua mesa.