Opinião – À Mesa com Portugal

Posted by
Spread the love

Tenho que dizer que estou emocionada. Rendida à beleza de um Portugal que sempre me surpreende, mesmo quando julgo já conhecer tanto. Queria escrever sobre São Sebastião e a forma como o povo, de Norte a Sul, lhe oferece tantas coisas boas dando seguimento à minha crónica anterior sobre os santos gulosos. Tinha pensado começar pela Festa das Fogaceiras e pela exuberância daquelas meninas jovens todas vestidas de branco, cada uma com uma faixa de uma cor rica e vistosa, com as fogaças enfeitadas sobre a cabeça. Queria falar de como o povo de Terras de Santa Maria da Feira, todos anos, enaltece a promessa feita há 500 anos atrás ao Mártir São Sebastião. Em troca da proteção contra a peste, seriam oferecidas três grandes fogaças ao Mártir e a completar a procissão o cortejo engalanado com a oferta daquele pão doce. Sinceramente, é difícil reproduzir em palavras a beleza deste ritual que todos os anos acontece em Santa Maria da Feira.
Era por aqui que eu queria começar revelando o momento maior que eu achava acontecer em terras portuguesas em honra de São Sebastião. Não sabia eu que tinha tanto para descobrir. Como a festa vivida todos os anos, no dia 20 de Janeiro, na Lardosa, Castelo Branco. É um miminho grande, muito grande, olhar aqueles tabuleiros cheios de “cascoréis” enfeitados com cravos vermelhos e carnudas camélias dispostos em cima de lindos panos brancos. Aqueles doces feitos com ovos, farinha de trigo, aguardente, azeite, raspa e sumo de laranja têm um interessante processo de produção. A massa é dividida em pequenas bolas e depois cortada em tiras sendo, de seguida, as mesmas entrelaçadas e postas a fritar. Uma delícia só de ver, imagino o provar. Na Lardosa, para além dos “cascorões” o povo recebe em honra ao Santo, ainda, os tremoços, o vinho e as chouriças que são assadas na pujante e quente fogueira que aquece a tarde fria de Inverno. Lindo. Mas não posso ficar por aqui. Ainda na Beira Baixa, é na Póvoa da Atalaia (Fundão) que acontece, sempre a 20 de janeiro, uma tradição tão singela… À cabeça, as mulheres carregam cestos devidamente cobertos por panos brancos enfeitados com flores. Lá dentro, estão as saborosas e singulares papas de carolo da Beira Baixa. Digo eu que já provei, são tão boas! À falta de arroz usava-se o milho meio partido e fazia-se uma papa que, depois de seca, se cortava à fatia. Não se explicar, mas aquelas papas são mesmo mais do que um simples alimento de festa. Há que provar para sentir.
Ainda com esta imagem na cabeça concentro-me no objetivo inicial da crónica, dar a conhecer tradições ligadas a este Santo que sempre foi recompensado com pães, “cascoréis”, fogaças, papas, tremoços, chouriços e vinho. E por isso, impossível não falar da tradição de Janeiro de Cima, pequena localidade do concelho do Fundão, onde a riqueza de imagem não é tão grande, mas a emoção é forte, grande e deixa-nos com a certeza de que o homem não se furta a esforços para a agradecer ao Santinho que lhe dá proteção. Homens e mulheres sobem o difícil e inclinado caminho até à Capela dedicada a São Sebastião e com eles carregam grandes sacas com pão e um garrafão de vinho. Depois da bênção, é altura da partilha.
E tudo isto porque o povo sempre viveu com a angústia da fome. Ora pelas pragas, pelos maus anos agrícolas, pela doença, pelo que podia correr menos bem. E na conquista da abundância alimentar, nunca esqueceu a benesse recebida e agradeceu sempre da melhor maneira, agradeceu com o alimento, não o dos dias pobres, mas o de festa, aquele que é doce e é penhor da dádiva recebida. Portugal é lindo e emociona-me.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.