Opinião: A justiça tem sete mangas, sete manhas e um manguito

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Foi anteontem conhecida a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que condenou o Estado Português pelas falhas na investigação da tragédia do Meco (seis de sete jovens que integravam a ‘comissão de praxes’ da Universidade Lusófona e passavam o fim-de-semana perto da praia do Meco, ali morreram afogados, depois de terem sido arrastados pelo mar).
Segundo aquele Tribunal, mal soube daquelas mortes, o Ministério Público de imediato deveria ter ordenado algumas medidas urgentes. Ao invés, o acesso à casa utilizada pelos jovens não foi vedado (o que permitiu que o único sobrevivente, com a ajuda de familiares e amigos, tivesse limpado o local e eliminado eventuais provas), a realização dos exames forenses sofreu atrasos inexplicáveis (as roupas e o computador do único sobrevivente, o polémico ‘Dux’ que chefiava aquela reunião da ‘comissão de praxe’, apenas foram apreendidos vários meses depois), a reconstituição e os depoimentos das testemunhas foram ordenados com meses de atraso e os telemóveis das próprias vítimas só foram analisados por iniciativa dos seus pais.
Confrontada com este acórdão, a Ministra da Justiça disse que “não há na decisão do Tribunal nenhuma referência a falha grave ou falência do Estado” e, mais, que “não, não fico preocupada, os tribunais existem mesmo para isto e o Tribunal Europeu cumpriu a sua função”.
Incompreensivelmente, esta condenação não foi suficiente para preocupar a Ministra da Justiça, a quem compete zelar pelo bom funcionamento da Justiça e pela sua boa imagem. Ora, num caso como no outro (no caso de o Ministério Público ter sido grosseiramente incompetente ou no caso oposto de a Senhora Ministra – que à época daqueles factos era Procuradora-Geral Distrital de Lisboa e por essa via teve conhecimento de todo o processo – estar convicta da falsidade das acusações do Tribunal Europeu) esta decisão deveria deixar Francisca Van Dunem preocupada. Muito preocupada até, já que tanto o bom funcionamento da Justiça como a sua boa imagem são absolutamente essenciais a um Estado de Direito Democrático.
Passaram mais de seis anos desde a fatídica noite ( 15 de Dezembro de 2013 ) em que seis jovens foram engolidos pelo bravo mar do Meco e muito se especulou sobre as circunstâncias em que a tragédia aconteceu, mas ainda hoje se desconhecem as razões que levaram aqueles jovens a colocar-se em tamanho risco.
Sabe-se apenas que o Ministério Público rapidamente arquivou o processo, por entender que não havia motivos para concluir que ali tivesse existido qualquer crime. Ora, segundo o Tribunal Europeu, a investigação não foi suficiente para o demonstrar e, por isso mesmo, foi o Estado Português condenado ao pagamento de uma indemnização aos pais das vítimas.
Aqueles poucos euros não repararão os danos que estes pais, que ainda aguardam pelo desfecho do processo cível, sofreram por terem perdido a oportunidade de saber o que verdadeiramente aconteceu aos seus filhos. E, por isso mesmo, seria desejável que esta decisão fosse suficiente para nos preocupar a todos e suscitar uma reflexão séria sobre o estado da nossa Justiça, mas, pelo contrário, a Senhora Ministra não se preocupa… e antes assobia para o lado, como se não fosse nada com ela.
Já o fizera na cerimónia de abertura do novo ano judicial, onde, espantosamente, assinalara a eficiência do nosso sistema judicial, com um discurso totalmente desfasado da realidade, alheio aos imensos atrasos, aos elevados custos, e às desastrosas decisões judiciais que os jornais vão divulgando.
(E, por pudor, nem aprofundarei o absurdo de se juntarem os mais altos agentes da Justiça para, de insígnias ao peito, ‘abrirem’ o novo ano judicial com pompa e circunstância… como se saudassem o regresso da Justiça, interrompida por uns poucos dias, enquanto o país comera as tradicionais passas e brindara ao Novo Ano.)
Diz o povo que a Justiça tem sete mangas, outras tantas manhas, e um manguito.
Louvado Zé Povinho que tanto sabes!

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