“Hospitais usam médicos em formação para suprir dificuldades”

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Carlos Cortes

Carlos Cortes lidera a única lista que se apresenta, nas eleições que decorrem amanhã, para os órgãos sociais da Secção Regional do Centro Ordem dos Médicos. Liderando o projeto Ser Médico Hoje, o dirigente promete uma atuação assertiva em defesa dos médicos e dos doentes

Que razões o levaram a candidatar-se a um terceiro mandato como presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos?
Cumprir um terceiro mandato não era evidente para mim há três anos, nem sequer há um ano. A repercussão que esta atividade tem sobre a nossa vida profissional, financeira (até agora nunca usufrui de qualquer remuneração proveniente da Ordem dos Médicos) e familiar é enorme, uma vez que é muito absorvente quer no tempo que lhe dedicamos quer pela disponibilidade mental. A minha opção, há seis meses, era de não continuar. Mas a vida dá algumas voltas. Nestes últimos meses, existiram pressões, ou melhor, inúmeros pedidos para que mantivesse o meu contributo. Tinha outros projetos e alguns convites cujo aceitação tive de adiar por mais algum tempo. Esta recandidatura só faz sentido se for para a Ordem dos Médicos desenvolver mais projetos, mais iniciativas e ser ainda mais interventiva e próxima dos médicos e dos doentes.

Que balanço faz da atividade desenvolvida pela sua equipa no anterior mandato?
A Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) desenvolveu um trabalho em várias áreas. Desde logo, a criação de um gabinete de Apoio ao Doente, no âmbito do qual se dá uma resposta a todas as pessoas que recorrem à Ordem dos Médicos. Criámos, também, um Gabinete de Apoio ao Médico em que desenvolvemos uma atividade assinalável e reconhecida, nacional e internacionalmente, na área do combate e prevenção do burnout, no apoio aos médicos vítimas de violência ou em situações de conflito laboral. Por outro lado, a área formativa tem tido uma especial atenção da nossa parte, levando a que a SRCOM seja hoje um centro de formação para médico. Criámos ainda um grupo de trabalho na área da Informação e Tecnologia que tem feito um trabalho notável junto do Ministério da Saúde nas questões relacionadas com os programas informáticos. Foi criado também um gabinete de ligação aos médicos que emigraram, tentando apoiá-los e facilitar o seu regresso a Portugal. A SRCOM tem tido um papel de proximidade juntos dos seus associados como nunca tinha acontecido no passado.

Nos mandatos anteriores teve um papel reconhecidamente ativo na denúncia de situações que envolviam carências de médicos ou de equipamentos e instalações e assim comprometiam o acesso dos doentes à saúde. Esta será uma preocupação no próximo mandato?
Tudo dependerá de como o Ministério da Saúde, a Administração Regional de Saúde do Centro, os hospitais e os Agrupamentos de Centros de Saúde derem resposta às preocupações da Ordem dos Médicos. A denúncia pública só acontece quando as outras vias, nomeadamente institucionais, estão esgotadas. Por vezes, as instituições não estão interessadas no diálogo ou na resolução dos problemas, por vezes a primeira preocupação não são os doentes, o respeito pelos profissionais, a defesa da formação e, nesses casos, a Ordem dos Médicos tem uma intervenção mais assertiva. Tem acontecido, aliás, recentemente em hospitais da região. Aqui em Coimbra, por exemplo.

A dignificação da profissão médica, as condições de exercício da Medicina e a defesa da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos doentes estão entre as prioridades do programa de ação da sua equipa?
Entre muitas outras propostas, sim. António Arnaut, um dos principais obreiros do Serviço Nacional de Saúde (SNS), comentava que “o maior tesouro do SNS são os seus profissionais”. Não poderia estar mais de acordo, apesar de todas as deficiências, de todas as dificuldades que conhecemos, o SNS mantém-se e dá uma resposta insubstituível. Isso só é possível com a dedicação dos profissionais de saúde, com as equipas nos hospitais, nos centros de saúde. Esse papel não é reconhecido, os profissionais não são protegidos, o que tem permitido situações lamentáveis de agressões físicas, verbais e sexuais. A Ordem dos Médicos – e a SRCOM em particular – tem tido uma intervenção vigorosa nesta temática que também tem de ser uma preocupação central do Ministério da Saúde. Essa é uma das premissas da qualidade dos cuidados de saúde, mas não é a única. É necessário mais organização e planificação e, sobretudo, é necessário iniciar as mudanças e reformas que são necessárias. E é essa coragem que tem faltado. Entre vários exemplos que poderia citar. Como é possível manter o sistema de urgência que temos em Portugal quando todos já perceberam que está errado? Como é possível continuar a alimentar serviço de urgência sobredimensionado empurrando para lá os doentes e retirando condições aos cuidados de saúde primários para poderem resolver os problemas de 2/3 dos doentes que vão aos hospitais?

Quanto à formação médica, quais são as principais preocupações?
A formação médica, a defesa de uma formação médica exigente para termos bons especialistas é um papel importante que a Ordem dos Médicos desenvolve. Tenho uma particular sensibilidade para este tema e dedico-lhe muito do meu tempo. Um boa formação médica é crucial para o país. As instituições tem a obrigação de providenciar uma formação de excelência. Por vezes, os hospitais utilizam os médicos em formação para suprir as suas dificuldades em recursos humanos, prejudicando ostensivamente a sua formação. O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra é um exemplo paradigmático disso. Continuamos a encontrar situações em que o médico interno é encarado mais num prisma de força de trabalho do que de formação. Existe, também, um outro problema, muito preocupante, que é o número de médicos que, em início de carreira, ficam de fora das vagas disponibilizadas para as especialidades. Serão, aproximadamente, 300-400 anualmente, somando aos perto de 1200 médicos sem especialidade neste momento. São médicos que fazem falta ao país, ao SNS, e é da mais elementar justiça solicitar as necessárias condições ao Ministério da Saúde, para serem formados numa especialidade ou diferenciação.

Entrevista completa na edição impressa de hoje

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