Entre políticos apontadores de vergonhas e políticos sem-vergonhas, venha o Diabo e escolha.
Não gosto do Ventura, nem dos baixos golpes com que o Chega vai espancando a nossa democracia, e envergonha-me a eleição de um deputado que protagoniza a mais obscena forma de fazer política, aproveitando-se da desilusão do povo com o actual sistema político para o convencer das vantagens de um regime mais autocrático. E, por isso, tenho a maior dificuldade em compreender os argumentos de quem lhe gaba o estilo e/ou o teor do discurso. Nem como comentador desportivo lhe aprecio os desconchavos, quanto mais como deputado da Nação…
Para o oportunismo de quem diz e desdiz conforme mais lhe convém e a incoerência de quem se julga bicéfalo – ora académico estudioso, ora propagandista populista – só me ocorre a palavra VERGONHA!
Sim, acho que a actuação do Ventura tem sido vergonhosa. E se, por um azar dos Távoras, com ele me cruzasse, dir-lhe-ia exactamente o que lhe disse o Presidente da Assembleia da República na sessão parlamentar da passada quinta-feira, porque não gosto de gente sem-vergonha que passa a vida a apontar as vergonhas dos outros. Sim, dir-lho-ia sem hesitação.
Sucede, porém, que não sou a segunda figura do Estado Português e que não tenho, por isso, a obrigação de assegurar o livre exercício dos mandatos parlamentares (e que motiva a imunidade expressa no artigo 157.º da Constituição da República Portuguesa que diz que “Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções”).
É perigoso o seu discurso – entendo eu –, mas o deputado do Chega foi eleito pelo povo português e tem, por isso, o direito a expressar-se livremente na Casa da Democracia… ainda que só diga imbecilidades.
Já se percebeu o que penso da reacção de Ferro Rodrigues há uma semana atrás. Não gostei, o que, por si só, não tem importância de monta. Relevante é, sim, o facto de o André Ventura ter gostado muito do azedume do Ferro, que lhe soube a ginjas e lhe alimentou as suas próprias vergonhas.
Mas nem só daquele azedume incontido se alimentou o André. Os aplausos da bancada socialista e o silêncio da oposição compuseram-lhe o repasto, já que, lamentavelmente, os deputados se esqueceram da sua nobre missão e bateram palmas a quem ameaçava diminuir a sua liberdade, ali mesmo na Casa da Democracia. Também Ferro Rodrigues se esqueceu das inúmeras vezes em que ele próprio, enquanto deputado, ali invocara outras vergonhas e, mais grave ainda, esqueceu-se de todas as vergonhas que por lá têm sucedido: as falsas presenças de deputados, os currículos falsos, as gargalhadas de Joe Berardo, etc, etc, etc…
Ferro Rodrigues portou-se mal e não teve a ajuda devida. Dos seus companheiros, o Presidente da AR deveria ter recebido a óbvia censura, para que pudesse ter feito a necessária mea culpa, mas, como ninguém lhe conteve o ânimo, o homem, de cabeça perdida, comportou-se como um qualquer inimigo da democracia, forçando-nos a defender um populista a quem não choca a pena de morte e que defende a prisão perpétua, gritando que “Uma coisa é termos um sistema humanitário, humano e digno, outra é sermos uns palhaços”.
Com o seu desnorte, Ferro legitimou o oportunismo de quem afirma “Quantos paquistaneses vão ter de cortar a cabeça a mais mulheres para percebermos o perigo que esta vaga islâmica significa para a Europa? No dia em que a bandeira do CHEGA estiver hasteada em São Bento ganham um bilhete só de ida”, como se por cá se tivesse verificado um acréscimo de criminalidade imputável aos emigrantes paquistaneses…
O atrapalhamento do Ferro, os aplausos da esquerda e o silêncio de uma oposição que está alheada nas lutas internas dos seus partidos, engrossam a voz do Ventura, que já afiança que o Chega será em breve o maior partido no nosso Parlamento.
Diz o povo que quem ri por último, ri melhor. Pois bem, cuidado… porque o Ventura está com vontade de se rir na nossa cara.