Opinião – Para trás mija a burra

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Nos últimos dias foi anunciado um episódio especial, ou mesmo uma nova temporada, dos famosos Amigos da Village em Nova Iorque.
Amante do género em geral, e da série Friends em particular, confesso-me curiosa pelo regresso dos pares românticos Rachel/Ross e Monica/Chandler e ansiosa por saber quão crescidos estarão a pequena Emma e os gémeos Bing, ou como terão envelhecido a excêntrica Phoebe e o mulherengo Joey.
Nós por cá, embora devotos da nostalgia do triste fado, também não desdenhamos de uma boa gargalhada e, até há pouco, era o ‘teatro de revista’ que mandava no humor nacional. Quem quisesse assistir a uma boa ‘revista à portuguesa’ rumava ao Parque Mayer, onde se encantava com o tom kitsch de bailarinos e actores, em cujos arrazoados se subentendia a crítica mordaz e cortante.
E por ali a actriz Ivone Silva, falecida em Novembro de 1987, foi rainha. Contou, no seu vasto reportório, com um desempenho notável na peça ‘Para trás mija a burra’, onde apresentou dois dos seus maiores sucessos, mais tarde retomados no programa ‘Sabadabadu’: a ‘Vira-vestidos’, conhecida pelo jargão “com um simples vestido preto eu nunca me comprometo”, e a ‘Olívia, Olívia’, famosa pelo monólogo “Sabem que me estabeleci com um ateliê de costura por conta própria, eu, a Olívia patroa, e eu, a Olívia costureira!? Pois veio o 25 de Abril e eu, Olívia costureira, comecei a refilar com a Olívia patroa. E agora tem sido um desassossego revolucionário. Vocês sabem lá o que é adormecer do PCP e acordar do CDS…”.
Estas duas rábulas ficaram-nos na memória como bons retratos do panorama político nacional: de um lado, os desfiles de gente trajada com os descomprometidos vestidos pretos e, de outra banda, um rol de gente que se compromete com tudo e todos, a seu bel-prazer, conforme mais lhe convém.
Quanta saudade me resta dos grandes políticos (de direita, de esquerda, e de centro, incluídos), gente de boa memória e superior estirpe…
As últimas semanas foram, ao invés, pródigas em reles imitações da ‘Olívia, Olívia’, insana e tresloucada.
Por economia de espaço, cingir-me-ei a dois exemplos deste triste fado.
O primeiro só merece a atenção dos portugueses porque comprova o oportunismo de André Ventura. Conhecido o teor da sua tese de doutoramento, soubemos, pelas palavras do próprio, que o deputado do Chega não acredita em nada do que afirmou durante a campanha. Afinal, o causídico tão-só optou por um discurso xenófobo, homofóbico, misógino, extremista, por ter percebido que, por esse caminho, mais rapidamente chegava ao poder. Já o conseguiu, já pôs o pé na entrada e não mais deixará fechar a porta que tão habilmente abriu, mas não valerá a pena escancarar-lha e nem estender-lhe o tapete vermelho…
E assim chegamos ao segundo deplorável episódio que hoje destaco: o inacreditável ataque à democracia perpetrado pela esquerda parlamentar na última conferência de líderes do Parlamento. PS, BE, PCP e PEV quiseram proibir os partidos pequenos (com deputados únicos – Livre, Chega e Iniciativa Liberal) de intervir nos debates quinzenais com o Primeiro-Ministro. Com argumentos incompreensíveis, a esquerda espancou a democracia, com um soco directo nas ventas digno dos melhores ‘Knocked Out’.
E, afinal, só no final da tarde de terça-feira, em reunião extraordinária da Primeira Comissão, foi assente que àqueles deputados fosse concedido um minuto e meio, i.é., uns longuíssimos 90 segundos.
Já o disse, mas, ainda assim, repito-o agora: pouco me interessam as opiniões daqueles 3 Partidos, mas recuso-me a aceitar uma versão de democracia à la carte, à medida do freguês.
E nem aquela marcha-atrás me convence, pois, como todas as marchas-à-ré, esta é uma manobra perigosa, própria de quem é apanhado em contramão, que mais não fará do que escancarar o caminho para os oportunismos do Ventura, para os extremismos da Joacine e para os delírios desreguladores do Cotrim.
A democracia constrói-se, caminhando de frente e para a frente. Às arrecuas mija a burra!

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