O mundo está a perder o tino. E o tininho – juízo, siso ou prudência, se preferirem – faz muita falta.
Esta semana Portugal, campeão europeu em título, venceu o Luxemburgo e conquistou o direito a disputar a fase final do Europeu 2020, onde lutará pelo troféu conquistado em 2016 pelo pé do inesquecível Éderzito.
O jogo propriamente dito teve pouco que se lhe diga.
Ganhámos. (ponto)
Devíamos ter jogado muito melhor! (ponto de exclamação)
Vamos ver como corre daqui para a frente? (ponto de interrogação)
Mas esta qualificação veio reforçar o entusiasmo que o novo modelo organizativo daquela competição já me provocara.
Com base numa proposta de Michel Platini, o próximo europeu de futebol terá 12 cidades anfitriãs (depois da exclusão de Bruxelas por atrasos nas obras do estádio) – Amesterdão, Baku, Bilbau, Bucareste, Budapeste, Copenhaga, Dublin, Glasgow, Londres, Munique, Roma e São Petersburgo -, de outros tantos países, circunstância que o actual presidente da UEFA, o esloveno Aleksander Čeferin, reforçara quando afirmou “o enorme prazer de poder ver o futebol agir como uma ponte entre nações e aproximar a competição dos adeptos “. E até a escolha da mascote Skillzy, uma personagem inspirada na cultura ‘freestyle’ do futebol, parecia querer devolver ao desporto-rei uma aura de liberdade que tem escasseado.
Acreditei na importância daqueles simbolismos e, por conta daquela sua “ideia doida”, até perdoei uns tantos pecadilhos ao ‘Le Roi’ francês (dos inconvenientes comentários sobre Ronaldo até às suspeitas de corrupção relacionadas com a organização do Campeonato do Mundo de 2022 no Qatar).
Já todos sabem que gosto de futebol e poucos desconhecerão esta minha cisma com os benefícios da partilha, e, por isso, ninguém estranhará o entusiasmo que acabo de vos descrever e que saiu bastante reforçado da vitória portuguesa do passado domingo.
Devo ainda dizer que nem o estado deplorável do relvado luxemburguês foi capaz de diminuir aquele estado de graça que o mundo do futebol então gozava em mim. Até pelo contrário, ter sabido que a má condição da relva se devia à livre utilização que os comuns cidadãos podem fazer daquele equipamento, fez aumentar uma esperança na humanidade que em mim já conhecera melhores dias.
O que me fez temer pela sanidade mental deste mundo foi o conhecimento do castigo aplicado a Bernardo Silva pela Federação Inglesa e o silêncio de quem tem responsabilidades nesta área.
(Não sei por que artes mágicas tinham-me escapado todas as parangonas noticiosas sobre o assunto até que num comentário sobre o jogo alguém se lhes referiu…)
E aí, de repente e à bruta, foram-se a minha benevolência e simpatia com o reino da bola.
O mundo perdeu o tino e, como se sabe, não há nada que mais falta lhe faça.
E, por isso, hoje, aqui, quero afirmar de forma inequívoca – o equivalente escrito do famoso ‘alto e bom som’ – que jamais me vergarei à tirania do politicamente correcto. Pelo contrário, insistirei na galhofa, com mais ou menos piada, tanto me faz, com maior ou menor sentido de oportunidade.
E digo mais: achei um piadão à comparação do pequeno Benjamin Mendy, careca e sorridente, com o boneco do pacote de Conguitos.
Do Bernardo e do Mendy, sabe-se que são grandes amigos e que passam a vida a gozar um com o outro.
Sabe-se também que nenhum dos dois se sentiu ofendido.
E deviam bastar estas certezas.
É preciso resistir às queixas de virgens ofendidas por ultrajes e agravos que lhes não pertencem.
Hoje, por cá, vai a enterrar José Mário Branco, o homem que escreveu ‘Resistir É Vencer’.
‘FMI’, porventura a mais célebre e com certeza a mais longa das suas canções (são quase 3000 palavras cantadas em mais de 25 minutos, na versão integral) reza assim: “Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.”
Está nas nossas mãos continuar a contar com o Zé Mário e com a sua eterna inquietação…
Para isso, é preciso resistir a esta cambada de puritanos queixosos.