Entre arrependimentos da minha vida existem aqueles em que fui cobarde. Por vezes o oponente é enorme e evitamos enfrentar. Faz parte do razoável. Não me lanço de peito aberto ao toiro em pontas. Não corro como um tonto para o hipopótamo. A fronteira do senso, do razoável é muito complexa e tem um problema que deixa para a cobardia aquilo que a coragem não aguentou. Muitas vezes penso que a cobardia está associada ao que é menos relevável. Não dei importância e por isso não me envolvo. Não é verdade!
Não fazer nada em relação a tantas coisas que nos perturbam ou ofendem é para não nos incomodar. Chamamos cobardia, ou preguiça ou “saber viver”. O incómodo e sua reacção é um acto de cidadania que pode ofender, pode criar encómio e por isso às vezes se retrai. Uma família de facas e bofetadas mora ali por baixo. Ninguém tem vontade de os questionar ou enfrentar. Um desagradável e mal-educado director calhou-nos na rifa: é chato entrar em guerra. Por tudo isto o medo é uma das emoções mais fortes da nossa adaptação à vida.
Sugerir medo é a protecção dos facínoras, dos criminosos, dos mafiosos. Falam grosso, erguem-se ameaçadores, chamam os amigos para dar corpo, agridem depois de gesticular. Infligindo medo calam os adversários ou os opositores. Por isso há defesas centrais que entram de pitões sobre a primeira canela. “Toma! Já vos assustei”. Onde é que a coragem não é inconsciência? Onde é que a inacção não é cobardia?
As fronteiras passam pela importância do facto. Saltar entre varandas de um oitavo andar por diversão será desnecessário e portanto será inconsciência e não coragem. Enfrentar um biltre que agride a esposa num supermercado pode ser perigoso. É precisa coragem. Então podemos definir coragem como a capacidade de vencer o medo? Ter medo é uma protecção que todos os animais têm. Inconsciente é o pinscher que enfrenta o pitbull. Podemos pois afirmar que não ter medo é inconsciência. Um gesto corajoso só existe se ele estiver associado à capacidade de se enfrentar um medo absolutamente assumido.
Há na coragem um factor altruísta que coloca em perigo a estabilidade do ser que enfrenta o medo por uma fé maior. Agora, após isto dito, o pinscher que socorre a dona enfrentando o pitbull é um corajoso! Outra questão decorrente desta lucubração é perceber que a cidadania implica a coragem de questionar, não dar por certo, não ter por garantido, denunciar o que na fé que temos nos coloca dúvidas, mas sempre com a certeza que nos incomoda mas vale a pena pelo bem maior.
Pode ler o texto de opinião de Diogo Cabrita na edição em papel deste fim de semana, 16 e 17 de novembro, do Diário As Beiras