Opinião: Justiça – os pobres fora da carroça!

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Há quem afirme que há uma justiça para ricos e outra para pobres. Parece que a expressão carece de fundamento. O que avulta é, como uns tantos asseveram, uma “JUSTIÇA para ricos e uma intolerável e inadmissível INJUSTIÇA para pobres”…

De Ivo Filipe de Almeida cumpre, com a devida vénia, transcrever:
“O Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva (art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa) não está assegurado.

É tempo de dizer que “o rei vai nu!”, por muito faustosas que as suas indumentárias possam parecer.

O Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) é inútil quando falha sistematicamente, na aferição de quem tem, ou não, acesso à isenção de taxas de justiça.

Hoje, qualquer cidadão com um rendimento acima de € 326,82 mensais, fica excluído da isenção das taxas de justiça.
Sendo um dos “afortunados” a quem seja permitido o pagamento faseado, uma taxa de justiça de € 612,00 transforma-se em € 2.448,00, que o cidadão terá de pagar em prestações de € 60,00 / mês.

Não fosse a insuficiência patrimonial do cidadão, e seria mais económico que este contraísse um crédito pessoal com taxas de juro grotescas, do que as absurdas taxas de justiça em pagamento faseado.

O Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva, existe hoje apenas para o cidadão que tem uma condição económica capaz de pagar as taxas de justiça e advogados, e para o cidadão que vive em pobreza extrema ou em risco desta”.

Como é possível fixar-se um rendimento tão baixo, como limite à isenção, quando o salário mínimo geral se acha nos € 600 e o da função pública, em particular, em € 635?

E, pior, quando o limiar mínimo de dignidade, segundo dados reconhecidos e veiculados oficialmente, se situa nos € 783?
Os consumidores viram reconhecer-se-lhes “uma justiça acessível e pronta” (LDC – Lei de Defesa do Consumidor: art.º 3.º).

Que se traduziu originalmente, entre outros, de harmonia com a versão primeira da LDC ( 1996 ), na “isenção de preparos e custas” nos feitos introduzidos em juízo cujo valor não excedesse os 5.000€ (valor da alçada da primeira instância).

Tal direito veio a ser-lhes negado por Sócrates, em 2008, com a publicação do Regulamento das Custas Judiciais que, de uma penada só, revogou todas as disposições em contrário. Sem curar de projectar as consequências de tão irreflectida medida, em particular, na esfera dos consumidores.

Logo, o consumidor passou a penar e, nos conflitos gerados o seio dos negócios jurídicos de consumo, a suportar as taxas de justiça, como qualquer outro mortal noutro qualquer feito…

Ou a evitar fazê-lo por manifesta impossibilidade material.

Também nos pleitos que hoje correm seus termos nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo estão sujeitos a encargos, variáveis segundo cada um dos órgãos, já que não há uniformidade nos regulamentos que os regem. Em certos casos, até há isenções.

Com a Lei 63/2019, de 16 de Agosto, a LDC, no seu artigo 14, passou a ter a seguinte redacção:

“1 – …

2 – Os conflitos de consumo de reduzido valor económico estão sujeitos a arbitragem necessária ou mediação quando, por opção expressa dos consumidores, sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados.

3 – Consideram-se conflitos de consumo de reduzido valor económico aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância [€ 5.000].

4 – Nos conflitos de consumo a que se referem os n.ºs 2 e 3 deve o consumidor ser notificado, no início do processo, de que pode fazer-se representar por advogado ou solicitador, sendo que, caso não tenha meios económicos para tal, pode solicitar apoio judiciário, nos termos da lei que regula o acesso ao direito e aos tribunais.

5 – Nos conflitos de consumo a que se referem os n.ºs 2 e 3, o consumidor fica dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça, que será apurada a final.”

A redacção não é feliz, entendendo-se que não há razões para se excluir esse aparente benefício se se tratar de acções propostas quer nos tribunais judiciais quer nos julgados de paz…

Com a legislatura no começo, há que dar uma volta muito séria ao ACESSO à JUSTIÇA. Não há sistema mais injusto do que este que, a despeito do que a Constituição prescreve, veda aos injustiçados que reivindiquem, em condições adequadas, o acesso ao sistema de administração de justiça. Que os contribuintes, afinal, custeiam, e bem assim os que se lhe submetem. Que o alimentam com as pesadas custas a que se não podem eximir.

Urge que haja consciência do problema para que as soluções não tardem!

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