Opinião – À Mesa com Portugal

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Isto de ser o melhor é sempre entusiasmante. O melhor do mundo, de Portugal, da vila ou da rua, não importa. A apetência para os concursos é natural. Afinal, a seleção natural da espécie fez-se querendo ser o melhor, passar para as gerações futuras o melhor das presentes. O que não é natural é acreditarmos de boca fechada e cabeça curvada nos imensos concursos gastronómicos que vimos vir a público.
É caso para dizer que concursos gastronómicos há para todos os gostos. Só falta mesmo o da rodela de chouriço, pois do resto já se encontra. Desde chavões gastronómicos aos mais inusitados, tudo se faz. Ocorre-me começar pela definição do conceito do que está a concurso: sabemos do que falamos quando utilizamos um conceito como doçaria conventual? Se há conceito que tem sido maltratado tem sido o da doçaria nascida nos conventos. Aliás, tem sido mais utilizado como instrumento de marketing do que para definir a doçaria. Criou-se um mito para além da verdade, um mito conveniente à venda de doces por este Portugal que descobriu ter em cada canto um exemplo de doçaria conventual (não se sabendo, é claro, onde estão os conventos). E os concursos aprofundam este desconhecimento, cavam trincheira no espaço que separa o esclarecimento ao mal-entendido. Pelos doces que admitem a prova confundem o público que, com o conventual no ouvido e a freira na mira, não percebem que a doçaria portuguesa é bem mais rica do que esse refrão monocórdico tantas vezes repetido.
Depois do conceito há que referir: o melhor por comparação a…? Será possível comparar um doce de ovos com um leite de creme? Um arroz doce com um pão-de-ló? Um Folar da Guarda com um Folar de Olhão? São diferentes. Nada mais. Comparar o incomparável pode descansar a consciência de quem o faz, mas não é justo para a própria doçaria. Que legitimidade tem o júri, que espécie de supremacia do gosto tem quem avalia para dizer que uma coisa é melhor que outra? Não me atrevo sequer a dizer que um Toucinho do Céu é melhor que uma Cavaca. Comparar o incomparável deixa desgosto, em vez de gosto e é uma injustiça para os muitos que fizeram a história daquele doce.
Mas os concursos são múltiplos e acontecem por todo o lado, fazem parte de uma tendência que vai ao encontro da vontade das pastelarias, restaurantes, produções, em ostentar a sua medalhazinha, o seu galardão ouro. Um dia destes quase que as vitrines, as embalagens, os rótulos, deixam de ter espaço para ostentar tanta distinção. E o pior é a forma como tal é usado. Do quê para o nada aparece numa qualquer rede social uma fotografia acompanhada com a frase “O Melhor de…”. A maioria nem vê a fonte, nem procura saber de onde veio tal informação, nem se interroga quem foi o júri qualificado (ou não) que ditou o vencedor.
Isto tudo me faz vir à ideia uma conversa que tive hoje com uma amiga. Dizia-me ela que, numa prova de vinhos em que participou, todos os vinhos lhe sabiam de forma acentuada e agressiva levando-a a tecer considerações menos boas sobre os ditos vinhos. Até que, antes da próxima prova, ela parou junto a um produtor de queijo Serra da Estrela que lhe deu a experimentar um bocadinho daquele queijo extraordinário. E não é que o vinho que provou a seguir lhe pareceu delicioso? Logo pensou: “bom ou volto atrás a experimentar tudo de novo ou compro o queijo Serra da estrela maravilhoso que mudou o palato…”. Serve esta história para dizer que mesmo quando a prova é feita com caráter científico e organizado é difícil uma opção isenta, quanto mais quando a escolha acontece com base em critérios assentes em conceitos mal explicados.
Concursos sim, mas com critério científico, sendo que o melhor é provar despido de preconceitos e de títulos. Vão ver que tudo vai saber melhor, fechar os olhos e saborear. Princípio fundamental até para o que sabe mal.

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