Opinião: A fábrica das mentiras

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Uma mulher chamada Renata Kopacz tem uma conta no Twitter com o nome Sra. Renatka. Usa como foto de perfil o símbolo do partido do governo com uma cruz por cima. Refere que os seus posts são essencialmente de ataque. É seguida por dois mil perfis. Outra mulher, Magda Rostocka, aparece no Facebook contando que gosta de corridas e de aviação.

No Twitter alega ser uma pessoa canhota mas com um coração a pender para a direita, apoiando o partido do governo. Estas duas mulheres estão em lados adversos. E por vezes discutem no Twitter. Mas há aqui algo desconcertante que esconde um submundo a que estamos sujeitos.

A reportagem publicada pelo Diário de Notícias, a partir da Investigate Europe – um projeto que desde 2016 junta jornalistas de oito países europeus em investigações internacionais conjuntas –, levou seis meses a ser feita e só foi possível devido a uma estratégia para infiltrar uma jornalista numa fábrica de notícias falsas na Polónia.

As duas mulheres, têm algo em comum: não são pessoas reais. Ou seja, as duas contas são falsas. Um facto ainda mais perturbador é que ambas são geridas pela mesma pessoa, que é paga para isso. Essa pessoa é um “troll” e o seu trabalho consiste tão-só em semear desinformação no Facebook e no Twitter.

Katarzyna, a jornalista infiltrada entrou para a empresa de comunicação e relações públicas sob o disfarce de estagiária. A Cat@Net, no mercado há alguns anos, refere no seu site que opera “de forma discreta e com a cautela necessária para lidar com assuntos delicados”. Assim parece. O negócio está desenvolvido e é suposto os seus trolls agitarem tanto a esquerda como a direita, para que fiquem mais credíveis aos olhos dos utilizadores, o que constitui uma técnica típica de desinformação, refere a reportagem.

Katarzyna teve acesso a vários dados sensíveis. Entre eles ao trabalho que a empresa fez para a televisão pública polaca TVP, em março de 2019. Refere a reportagem que quando um antigo empregado dessa televisão anunciou que ia acusar a empresa de assédio moral e pedir assistência jurídica, mais de 60 perfis falsos da Cat@Net entraram em campo para desacreditar o ex-funcionário.

Noutro caso, quando o presidente da TVP se viu envolvido em mais um negligente acidente de viação, a fábrica atuou nas redes sociais a fim de plantar desinformação com vista a proteger a imagem do presidente. Mais de 80 perfis falsos estiveram envolvidos na operação.

Mas os casos de interferência de trolls, através de campanhas de desinformação e de ódio massivo na internet, foram-se somando. O presidente da Câmara de Gdansk, Paweł Adamowicz, foi assassinado num período em que a TVP estava a ser acusada de o perseguir politicamente. Os trolls entraram em campo. Os seus posts seguiram uma cartilha articulada: Ele tinha de estar lá?

Precisava era de ganhar respeito enquanto ainda estava vivo. A TVP é inocente. Esta é uma campanha de ódio da oposição. As pessoas estão à procura de alguém para culpar. Se um assassino em série for morto, também vão pedir respeito?

A investigação da Investigate Europe apurou que a Cat@Net tem pelo menos 179 contas falsas entre Facebook, Twitter, Instagram e YouTube, operadas apenas por 14 pessoas. Este é um exército bastante eficaz, pois muitas contas têm milhares de seguidores e alguns posts são replicados dezenas de milhares de vezes. Os gestores decidem sobre o que publicar e transmitem orientações aos trolls.

As campanhas mais sórdidas são alimentadas neste submundo de redes sociais. Já o havíamos constatado com a manipulação da opinião pública no Brexit e na eleição e Donald Trump. Estas organizações sabem como ser eficazes para atrair pessoas e influenciá-las através de desinformação. Os campos de batalha modernos passam pelo ciberespaço, gerando informação e contrainformação, agindo na vida pública e na vida privada, a uma escala global, com danos que deixámos de conseguir controlar.

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