Vozes como as de Adriano, Zeca Afonso, Fanhais e outros levaram a poesia para a rua e fizeram dela uma arma. Tal como as guitarras de Carlos Paredes e António Portugal, ou a viola de Rui Pato.
Este último, nome maior da canção coimbrã, foi homenageado, no sábado, pela Associação José Afonso (AJA), cantor com o qual se estreou aos 16 anos.
O músico subiu ao palco do Fórum Lisboa com o grupo Raízes de Coimbra (que integra) António Ataíde, João Afonso e Rogério Pires, além de Francisco Fanhais.
O encontro
com Zeca na Brasileira
O encontro entre Rui Pato, então um jovem estudante de liceu, e José Afonso deu-se no início dos anos 60, quando o médico já tocava viola num grupo de fados no Liceu D. João III (atual Escola Secundária José Falcão).
“O Zeca Afonso era amigo do meu pai [Rocha Pato, jornalista e chefe da Delegação de Coimbra do 1.º de Janeiro], que conhecia toda a gente do fado, na tertúlia da Brasileira, na Baixa. Quando o Zeca, já depois da sua passagem em Coimbra, como estudante e cantor do fado tradicional, já professor, regressa a Coimbra para mostrar aos amigos um modelo novo de canções, vai ter à Brasileira”, contou Rui Pato, numa entrevista concedida em 2009 ao DIÁRIO AS BEIRAS. Porém, para se ouvirem coisas novas era necessário um acompanhante à viola. Foi assim, que Rui Pato se estreou aos 16 anos, em 1962, com José Afonso (1929-1987), no disco “Baladas de Coimbra”, que inclui canções como “Menino de Oiro”, “Tenho Barcos, Tenho Remos”, “No Lago Do Breu” e “Senhor Poeta”, álbum chave da chamada “geração de viragem” da música de Coimbra.
A partir de então, seguiu-se o seu trabalho com o músico de “Cantares do Andarilho” e “Cantigas do Maio”, assim como com Adriano Correia de Oliveira (1942-1982) e outros nomes da canção de Coimbra, como Luiz Goes e Fernando Machado Soares.
Em 1970, foi proibido pelas forças da ditadura de se deslocar a Londres, para acompanhar José Afonso na gravação do seu quarto LP, “Traz Outro Amigo Também”. Em causa estava a participação de Rui Pato na greve aos exames, durante a crise académica de 1969, em Coimbra.
“Caminhada”
de 58 anos
Numa publicação no Facebook, Rui Pato confessou sentir-se “sinto pouco à vontade” por ver-se agora no papel do “homenageado”.
“Quando a AJA em maio, me comunicou a sua intenção em fazer este tributo, reagi, tentei resistir…sentia uma espécie de pudor, mas acabei por aceitar porque embora haja em mim uma ponta de timidez, de horror ao culto da personalidade, achei que deveria aceitar pela falta de argumentos válidos e por receio que pensassem que eu estaria a fazer a rábula da falsa modéstia”, escreveu.
Acabou por aceitar e cumpriu o que prometeu: subiu ao palco e levou “na alma e na memória” aqueles que o acompanharam numa caminhada de 58 anos de viola: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, António Bernardino, José Manuel dos Santos, Francisco, Octávio Sérgio, Pinho Brojo, António Portugal. E muitos outros, que foi acompanhando em espetáculos, como João Afonso, Francisco Fanhais, Manuel Freire, Luis Goes, Camacho Vieira, Luís Marinho, Fernando Machado Soares, José Miguel Baptista, António Ataíde ou Heitor Lopes…
Renovação da música
de Coimbra
Rui Pato esteve na génese de todos os movimentos de renovação da música de Coimbra. Foi solista da Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC), pertenceu ao Grupo de Música de Câmara Carlos Seixas, compôs música para peças do TEUC.
A colaboração de Rui Pato com José Afonso, e também com Adriano Correia de Oliveira, em “O Canto e as Armas” (1969) e em “Cantaremos” (1970), está na origem da homenagem que a AJA lhe prestou.
A iniciativa insere-se nas comemorações do 32.º aniversário da associação (da qual Rui Pato é vice-presidente da mesa da Assembleia-geral), a qual tem por fim celebrar a obra e o exemplo cívico de José Afonso.
Rui Melo Pato, de 73 anos, nasceu em Coimbra, no dia 4 de junho de 1946. Foi médico pneumologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que chegou a dirigir. Mas foi à viola que ajudou a moldar a música e, sobretudo, a liberdade.