Opinião – Os javalis andam por aí e não pagam portagem

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“Em circulação por uma das auto-estradas do País, a velocidade regular, saiu-me um javali, disparado da berma, e o inevitável aconteceu. Não pude evitar a colisão e os prejuízos foram consideráveis.
As viaturas de socorro apareceram. Mas a concessionária recusa-se a indemnizar-me porque, diz, a rede de vedação, no local, não está estragada e a patrulha que circula regularmente não detectou nada de anormal no troço percorrido.”
No momento em que a portagem se franqueia, o consumidor estabelece um contrato com a concessionária.
Contrato que é de consumo, segundo a LDC:
“Consideram-se incluídos … os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos.”
Logo, nestes termos e por aplicação de regras gerais, “incumbe [à concessionária] provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”
Os tribunais consideravam, nestes casos, que se estava não perante responsabilidade contratual, porque não havia qualquer contrato, qualificando a eventual responsabilidade como extracontratual (fora de contrato). E daí que se impusesse ao lesado a prova de que havia culpa da concessionária. O que não estava, em geral, ao seu alcance. E não o contrário, isto é, à concessionária a prova de que tudo fizera para evitar que tal ocorresse.
O Supremo Tribunal de Justiça já tomou, perante casos análogos, várias posições: da responsabilidade extracontratual à responsabilidade contratual (ainda que de contratos com eficácia para protecção de terceiros).
Em 2007, uma lei de 18 de Julho (art.º 12 ) veio a consagrar uma presunção legal de culpa.
“1. Nas auto-estradas,…, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 – … a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.”
A norma foi impugnada, por inconstitucional, pela BRISA, mas o Tribunal Constitucional, em 2009, em duas decisões consecutivas, negou razão à concessionária.
Por acórdão de 09 de Setembro de 2008, o STJ decretara que “a prova do cumprimento genérico obrigações de vigilância e de conservação das vedações da via não basta para a demonstração da observância dos deveres, a cargo da concessionária, de garantir aos utentes a circulação em boas condições de comodidade e segurança viária. Em causa estão, com efeito, certas vias especiais, destinadas ao trânsito rápido, proporcionando a quem as utiliza uma expectativa de circulação em segurança a velocidades até 120 kms/hora, sem que lhe seja exigível um estado de alerta permanente perante a possibilidade de repentino surgimento de obstáculos na via, provocando perigo de despiste, tais como animais a atravessá-la. Quando, apesar da existência de vedações, um cão se introduz na auto-estrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a concreta razão da introdução do animal na via.”
Lamentável é que a concessionária, sem mais, se escuse sistematicamente à assunção de responsabilidades e prefira a lide à composição amigável de interesses.

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