Talvez daqui a quatro anos os assuntos sejam os mesmos. E que, na mesma, alguns dos agora repetentes deputados venham, uma vez mais, assobiar para o ar como se nada fosse com eles. Terão tido as ervas novas oportunidades para singrar nos canais onde antes passou a centenária ferrovia; e os campos do Baixo Mondego a possibilidade do poisio; talvez o fogo tenha podido continuar a ombrear com o eucalipto a ocupação da terra que já teve gente, e floresta; e que a regionalização se mantenha uma vã promessa de um país retalhado pela vontade de alcaides com ganas de imperador.
No resto nada de novo, porque se as boas notícias de São Bento não chegam, sabe-se não ser costume os eleitores pedirem responsabilidades àqueles que elegeram, visitas raras ao território que para longe os enviou, para serem parte da “classe política”. “Vai-se andando…” – haverá muito quem assim se resuma, conformado com a sorte que lhe caiu no destino. A vida, porém, vai-se resolvendo por outras vias. As do Centro de Saúde quando as dores e a antiguidade aconselham a que ali se vá; a da Escola, quando a questão é encontrar rumos no novelo do futuro; a das vias de comunicação, quando a necessidade é a de ir de aqui para ali; as da Cultura, quando o esclarecimento pede mais do que o relato das vidas dos famosos e a notícia das desgraças em sessão contínua no enfermo alinhamento dos noticiários televisivos.
E aí é que a porca torce o rabo, havendo sempre quem se queixe dos “políticos” que elegeu ou – pior ainda – daqueles que outros elegeram por si, no dia desilustrado em que se decidiu não votar por descrença ou ignorância. É que políticos somos todos: os que votam e os que não votam; e só depois é legítimo responsabilizar cada eleito. Mesmo que possa não ser fácil, aos distraídos, a orientação em tão farto catálogo. Eu, que no mercado da Tocha vi um homem de ascendência africana carregando uma bandeira de um partido fascista (como se fosse uma cruz castigadora, semelhante à que um palestiniano carregou há dois mil anos), interrogo-me se aquele porta-estandarte terá atentado na mensagem racista que abre a página web daquele partido. Ou se os comuns que votaram “ADSE para todos” e na “liberdade de escolha” escolar terão percebido que, para aquela gente, escolha é privilégio dos que podem escolher, assim lhes permitíssemos acabar com os serviços públicos de saúde e educação. Interrogo-me se os que consideram que “chega de ciganos” terão percebido que classificar humanos (em total desumanidade) é meio caminho andado para que sejam eles próprios, num amanhã abominável que havemos de impedir, os classificados numa qualquer minoria a que cada um de nós, inevitavelmente, pertence.
A Assembleia está eleita, a governação vai iniciar-se. Hão de posicionar-se os partidos de acordo com os interesses das classes sociais que defendem. Hão de tomar-se as opções de acordo com as necessidades dos trabalhadores por conta de outrem, dos pequenos e médios empresários (trabalhadores também), dos desempregados (para que deixem de o ser), dos reformados e pensionistas; e também dos precisados de morada, dos precisados de estudar, dos necessitados de atenção médica. Tudo isto entendido como obrigação do Estado, isto é, de cada um de nós. Ou, pelo contrário, defender os interesses de acumulação de lucro dos que vão “lá fora” buscar a carne que aqui não compram, o peixe que aqui se perde, a fruta que por cá apodrece; e os que usam a contribuição de todos para engrossar os lucros abundantes de apenas alguns.
É má ideia esperar por daqui a quatro anos para exigir de quem foi eleito o cumprimento das vontades dos eleitores. É que havendo, de 4 em 4 anos, um dia para votar, a vida de cada um de nós não se suspende nos restantes 1461 dias. Olhos abertos, então.