Opinião: O outono das eleições

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Embora tentemos sempre justificações rebuscadas e complexas, a maioria das coisas tem explicação simples. As eleições legislativas deste ano, embora profusas em candidaturas, não precisam de grandes tratados para as compreendermos. Há minudências que nos mostram que as velhas teorias estão bem atuais. E que a atualidade anda desencontrada de si mesma. Mas já lá vamos…
Surgiram 21 partidos, 4.599 candidatos, excluindo suplentes, para 230 vagas no Parlamento. Até aqui nada de mais… Acontece que grande parte desses partidos assenta numa espécie de fulanização da política, na imagem de um líder. Do comentador desportivo, ao ex-primeiro-ministro desavindo, passando pelo calceteiro Tino de Rans, e por outros com maior expressão eleitoral. Este facto vem reforçar a teoria da “Civic Malaise”, a que vimos assistindo desde o final dos anos 80, sustentada numa perspetiva de declínio da política ideológica, ou de “desideologização” da sociedade, dando lugar a uma política focalizada nas lideranças carismáticas, nos políticos-estrela como fator de dominação das escolhas dos cidadãos. Nesse sentido, a política acaba por ser mais “pragmática do que programática”. Vive mais da imagem que do conteúdo. Este não é um facto novo, há muito que assim é.
De forma genérica, para a maioria dos eleitores, conta mais a pessoa do que a ideologia suportada pelo seu partido. Não se percebe, por isso, a insistência num sistema único no Parlamento composto exclusivamente por partidos. É necessário reformar o sistema eleitoral introduzindo proximidade e promovendo cumulativamente candidaturas individuais.
A democracia constrói-se todos os dias. Não é um regime pré-fabricado. O seu aperfeiçoamento implica coragem. Os partidos devem submeter os seus candidatos, sobretudo autarcas, a eleições primárias ou diretas, para aferir o pulsar dos cidadãos. Começando em capitais de distrito e progredindo depois para as restantes. Entre o medo e o conservadorismo, há muito que vemos adiado este avanço democrático, que serve indivíduos mas não serve a sociedade.
O desinteresse pela política tem levado a um crescimento permanente dos níveis de abstenção. Programas de televisão como o de Ricardo Araújo Pereira, que combinam sagacidade, inteligência e entretenimento, têm mais interesse do que tudo o resto. São programas leves que visam expor os políticos. Mesmo quem não vota assiste a estes programas. Isto mostra-nos, de certa forma, que há um dado que porventura muitos estão a ignorar. Os partidos apontam, e bem, a sua mensagem ao alvo dos indecisos, aos que nunca ou raramente votam. Mas quem são estes afinal? São os chamados “Millennials”, nascidos após o início da década de 1980, em contexto de prosperidade tecnológica e de transformação mediática. Alguns deles têm hoje perto de 40 anos. Talvez ainda ninguém tenha dedicado tempo a perceber este fenómeno e a reformular as mensagens políticas bem como a forma de realizar campanhas. E isto conduz-nos à verdadeira questão: qual o perfil do eleitor português?
As sondagens diárias têm sido desvalorizadas por todos, sem exceção, fingindo-se que não têm importância. Mas têm. Na década de 1970, a socióloga alemã Elisabeth Noelle-Newmann desenvolveu a teoria da Espiral do Silêncio, publicada num bloco de estudos de opinião pública e republicada pela Universidade de Chicago. Esta é, para mim, a mais importante teoria de comunicação política. Ela defende que existe sempre uma espiral de gente que se retrai quando sente estar em minoria ou quando se resigna ao presságio de um mau resultado. Esta desistência gera contágio e expande-se às massas. A divulgação de sondagens ajuda a uma “atmosfera” de emudecimento por parte dos adeptos de partidos perdedores. Veja-se como um golpe pode mexer nos dados. Foi trazido para debate o caso de Tancos. Pouca gente se interessa pelo assunto. Mas o caso foi vazado pela Justiça em plena campanha eleitoral. O PS foi sugado pela Espiral do Silêncio. Não vale a pena dizer que não. Mas o tema durou três dias e os peões recolocaram-se. Após isso, desviando-se do olho do furacão, o PS voltou a subir nas sondagens.
Vários incidentes têm acontecido ao longo desta campanha. E muitíssimos outros aconteceram em campanhas anteriores, ao longo dos últimos 45 anos. Há sempre quem surja com tão fervorosas quanto postiças indignações. A história ensina-nos que os erros tornam os políticos mais humanos. Fazem deles pessoas normais. Damos importância demasiada a futilidades e deixamos que as folhas do outono caiam sobre o chão, escondendo o que realmente importa.

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