Opinião – Estamos a ficar sem desculpas e sem tempo

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Um amigo, por sinal dedicado às questões ambientais e a quem dedico estas linhas, tinha feito o convite: festejar o seu aniversário numa Aldeia de Xisto. À saída de Coimbra pela ponte da Portela sobressai uma encosta rasgada por novos socalcos.

Às portas da cidade, uma plantação de eucaliptos esventra a terra. Não contesto a legalidade da intervenção, mas a estratégia do município e do ICNF. Tanta indignação, tantos gritos e lágrimas por uma região onde todos os anos ardem centenas de milhares de hectares de floresta e nem as vítimas serviram de lição ao poder político. Não será negligência permitir a proliferação destes “barris de pólvora”?

Dois jovens, tal como o meu amigo, da geração Greta, seguiam no banco de trás. Na curta viagem até ao alto da serra, revisitei os discursos da adolescente. A lata da miúda, a enfrentar os piratas do petróleo, traficantes de diamantes, assassinos da contrafação, príncipes de ditaduras, pistoleiros do armamento, ladrões da banca, exploradores de minerais, trapaceiros da indústria. Aqueles que andam nisto pelo planeta, supostamente sem interesses ulteriores, todos pro bono, portanto! Perante tantos caudilhos fratricidas, para onde foi o ódio dos “opinion makers”? Para Greta Thunberg (“matem o mensageiro”), insinuando que estará ao serviço do “capitalismo verde”! Insatisfeitos, criam uma outra imagem, através da nova censura que é o dilúvio da desinformação. Esgotam-na, na esperança que ela volte às salas de aula “de onde nunca devia ter saído”. Quiçá, talvez mudem a escola, se não conseguirem mudar a aluna.

Porque a intimidam? É só uma miúda, sim, mas anda há 8 anos a tentar salvar o mundo! É difícil admitir que, aos 16 anos de idade, possa conhecer melhor o ciclo da água do que políticos hábeis a descartar as suas responsabilidades ambientais para cima do substantivo capitalismo! Claro que o desvio dos rios soviéticos para as plantações de algodão nunca existiu e foi exatamente pela “evaporação” que o Mar de Aral se transformou num dos maiores desastres ambientais da humanidade. Voilá, uma das obras primas teorizada no “Manifesto Comunista” de Marx e Engels. Desenganem-se, no entanto, os que pensam que a idiotice é exclusiva dos regimes totalitários ou autoritários. As democracias são tão, ou mais, engenhosas no que toca ao autocídio, basta olhar para a Amazónia.

É verdade, a adolescente encara o mundo “a preto ou branco”, a emoção dilata-lhe as veias e o discurso sai-lhe inflamado. Viu o que não queremos ver, pôs-nos a falar da sobrevivência da espécie. No entanto, passaram a odiá-la. Apela à ciência, como os dados paleoclimáticos e aos valores máximos da concentração atmosférica, que deveriam ser de 300ppm de CO2, mas há 8 anos já eram 390,5ppm e hoje são 400ppm. Esta é a realidade global. Agora, imaginem-se a viver em Pequim e a respirar um índice de qualidade do ar acima dos 600AQI (Air Quality Index), quando as dificuldades respiratórias surgem aos 51AQI.

O estado do planeta faz arrepiar um bloco de gelo, mas decidimos ignorar que o peixe que compramos inclui tantas micropartículas de plástico que já nem precisa de ser ensacado. Estima-se que cada um de nós ingere, por ano, 121.000 dessas partículas, mas a nossa iliteracia do consumo é tal que ainda desperdiçamos dinheiro em “junk food”. Enquanto rebolamos nesta dieta alimentar, a Terra aquece e o nível do mar sobe. Se continuarmos tão bons como até aqui na autodestruição, antes do final deste século teremos os cacilheiros a atracar no primeiro andar do Terreiro do Paço.

Perante este cenário, a discussão atingiu o pico do absurdo. De um lado exploram os recursos naturais, do outro manifestam-se contra a insustentável poluição. Uns constroem baterias de ião lítio, outros doutrinam ferozmente nas redes sociais alimentadas a lítio. Haja paciência para esta antítese e para tanta idiotia, quando só os “data center” chineses produzem por ano uma quantidade de CO2 equivalente ao que produzem 21 milhões de automóveis! Já pensou no “efeito borboleta” do clique do seu rato?

A humanidade está a destruir a criação e, no melhor dos cenários, esta jovem só irá captar a atenção de todos, quando esgotarmos a biodiversidade e, por fim, a água que nos forma. A parte irónica da sua luta, é a de tentar adiar a extinção em massa provocada por uma espécie dominante, para que essa mesma espécie possa continuar por cá a fazer das suas.

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