Opinião: Da prática clínica com humanos e do projeto de assistência veterinária do PAN

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A solidão é uma das queixas cada vez mais frequentes na prática clínica em psicopatologia, estando intimamente relacionada com a mais relevante gama de afecções que grassa em Portugal: as perturbações da ansiedade e do humor. Com uma gigantesca expressão epidemiológica, geram um indizível sofrimento e devastadores efeitos na qualidade de vida dos pacientes.

E a tendência é para aumentar, estando no rol das razões identificadas o envelhecimento da população conjugada com o egoísmo reinante decorrente do materialismo individualista que encara os (mais) velhos como meros escolhos e obstáculos ao que chamam “liberdade de vida” – chegará a altura em que se cumprirá a fatal profecia popular “Filho és, pai serás; como fizeres, assim acharás”.

Também com a contribuição de fenómenos como o altíssimo índice de divórcios, o resultado é cada vez mais haver pessoas a viver sós – e, muito mais significativamente, com uma enorme solidão, já que viver sozinho e sentir-se só não é a mesma coisa nem têm que estar necessariamente associados. Neste cenário, os chamados “animais de companhia” – cães e gatos, em particular – são o recurso cada vez mais chamado a desempenhar um muito importante papel compensatório na atenuação das emoções negativas de quem vive cada vez mais só numa sociedade cada vez menos solidária.

“O que faria eu sem ele? É a minha companhia, senhor doutor…”, ouve-se cada vez mais na consulta, ao mesmo tempo que a lágrima tende a correr quando acrescentam “é o único que sente a minha falta quando eu não estou, e faz uma festa quando me vê…”. Contam histórias (se assim é ou não, pouco importa) de que eles sentem quando os donos estão mais tristes ainda, à beira da desistência: “é ele que ainda me faz sair à rua, passeá-lo…dar-lhe de comer, fazer-lhe festas…”. Sim, referem-se ao seu cão, ao seu gato. Animais que contêm o desespero, que adiam a resignação, a demissão da vida. São verdadeiros aliados terapêuticos, conseguindo ir onde a psicoterapia e os psicofármacos não vão.

Mas a história pode, a qualquer momento, escrever-se ao contrário. Os serviços veterinários são escandalosamente caros, cobrando elevadíssimas quantias pelo tratamento dos animais. Imagine-se a ansiedade e desespero de alguém que recebe uma pensão miserável e cujo único amigo fica gravemente doente. Sentindo-se responsável por ele, a vê-lo morrer num sofrimento agónico, sem lhe poder valer, sem poder pagar os caríssimos tratamentos. Histórias dramáticas destas são cada vez mais frequentes nos consultórios dos hospitais.

É por isso que a proposta do PAN acerca da estruturação de uma rede pública de saúde animal, capaz de promover cuidados veterinários a animais cujos donos não os possam pagar, tem todo o mérito e todo o interesse social. Porque não é apenas sobre animais, é também sobre pessoas. Quanto a contas, nem 1 cêntimo seria retirado do Serviço Nacional de Saúde: uma fracção dos subsídios dados pelo Estado ao vergonhoso “espectáculo” medieval das touradas seria suficiente para financiar os serviços médico-veterinários.

E, também, haveria que deduzir o custo do evitamento de cuidados acrescidos de saúde, incluindo internamentos, aos desesperados e recaídos donos desses animais – para além do que não é contabilizável em números, i.e, o sofrimento humano. Porque, repetimos, esta medida é também, e muito, sobre pessoas.

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