Opinião: Falta ópio ao povo

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A matéria que motiva este texto deveria merecer a atenção de todos os democratas, mas, como estes vão andando cada vez mais distraídos, é possível que só espicace os sentidos dos populistas de serviço ou que até atraia o pesar de uns tantos oportunistas a quem aquelas distracções sabem que nem ginjas.
A Comissão Nacional de Eleições pôde enfim publicar os resultados das últimas eleições legislativas, depois de o Tribunal Constitucional ter ‘chumbado’ os recursos do PSD e do Aliança.
(Entretanto, já todos tinham tomado posse, deputados e governo, num sinal claro de que ninguém se rala com a vontade dos emigrantes.)
E, assim, podemos, agora, finalmente, esmiuçar o voto dos portugueses.
Dos 10.777.258 de eleitores inscritos, foram às urnas 5.237.484 portugueses. Tão-só! Feitas as contas, a abstenção foi de 51,40%.
Já agora, enquanto ainda nos lembramos destes tristes números, atentemos nos votantes de cada um dos partidos, no número de deputados eleitos, e na real percentagem de portugueses que neles depositou a sua confiança.
PS – 1.903.687 votos ( 17,7% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 108 deputados;
PSD – 1.454.283 votos ( 13,5% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 79 deputados;
BE – 498.549 votos ( 4,6% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 19 deputados;
PCP/PEV – 332.018 votos ( 3,1% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 12 deputados;
CDS/PP – 221.094 votos ( 2,1% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 5 deputados;
PAN – 173.931 votos ( 1,6% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 4 deputados;
CHEGA – 67.502 votos ( 0,6% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 1 deputado;
INICIATIVA LIBERAL – 67.443 votos ( 0,6% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 1 deputado;
LIVRE – 56.940 votos ( 0,5% do total de eleitores inscritos), correspondentes a 1 deputado;
E mais 207.162 votos ( 1,9% do total de eleitores inscritos) distribuídos pelos restantes partidos que não alcançaram nenhum mandato.
Maço-vos com estes números porque só eles nos podem fazer perceber a dimensão do problema. Já poucos querem saber quem nos governa. E, se atentarmos nas sondagens, que indicam que a abstenção é crescente nos mais jovens, temeremos pelo futuro da nossa democracia.
Ora, ainda que todos admitam a necessidade de ‘limpar’ os cadernos eleitorais, salta à vista a urgência de mudar a lei eleitoral.
Este modelo não serve a democracia, mas antes aproveita aos maiores partidos, que representam afinal muito menos portugueses do que nos querem fazer crer, e que – como bem se percebe – não estão interessados em discutir esta matéria.
E, entretanto, por conta da errada definição dos nossos círculos eleitorais, vamos desperdiçando cada vez mais votos. Desta vez – pasme-se – dos 5 milhões de votos válidos, mais de um milhão não contaram para rigorosamente nada.
Por cá, afinal, os votos não são todos iguais… e assim se esfuma um princípio basilar de qualquer democracia.
Se, por cada deputado, em média, o Partido Socialista precisou de 17.627 votos, o PAN teve de recolher, para igual efeito, 43.483 votos.
Já no PSD, a medida por deputado foi de 18.409, por confronto com os 67.443 votos que garantiram a eleição do deputado LIBERAL.
E por aí adiante… é só fazer contas.
É claro que, num país com grandes desigualdades demográficas, é preciso criar sistemas eleitorais que as mitiguem e, por isso, os mandatos não podem obedecer a meras regras de três simples.
Mas assim, como está, é que não pode continuar, pois, como se vê pela análise dos resultados eleitorais, há cada vez mais órfãos deste sistema, que só acautela os destinos de quem devia cuidar dos destinos de todos.
E nós, alheados do essencial, distraímo-nos em duríssimas críticas de moda e apontamos o dedo a uma reles saia. À falta de melhor, é este o novo ópio do povo.
Razão tinha o Eça, “somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência”.

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