Alexandre Soares dos Santos, o patrão do Pingo Doce e dono da Jerónimo Martins, deixou-nos recentemente. Este homem, que foi operário, que viveu num quarto alugado, viria a transformar um negócio familiar (com sede no Chiado) num dos maiores grupos de distribuição em Portugal e a ser considerado o segundo homem mais rico do país. Homem corajoso, autoritário, sempre envolvido em polémicas, mas sempre muito discreto e um sonhador de olhos abertos para as realidades e, por isso, um visionário: a construção do futuro de acordo com planos estrategicamente bem planeados. Soares dos Santos navegava num barco de onde sempre recusou a dependência onde se instala a corrupção, recusou o miserabilismo e rejeitou a forma de chamar “coitadinhos” aos pobres, afirmando que os pobres só deixarão de existir se o país for capaz de criar riqueza e dar um salto em frente e os conduzir para o caminho de uma classe média onde eles possam progredir. Para livrar um país de crises financeiras, será preciso criar riqueza, porque só essa pode alimentar o Estado Social e gerar empregos qualificados.
Perante isto, pergunto-me se faz algum sentido o “raivoso apartheid” de Direita e Esquerda a que assistimos, numa Democracia que, com quarenta cinco anos, já devia estar mais do que amadurecida. Bem pelo contrário, ao que assistimos é a uma dicotomia esquerda-direita com uma oposição, para não dizer guerrilha, de partidos que não permitem a partilha entre si de coisa nenhuma, como se cada um deles não tivesse nada que o outro pudesse aproveitar. Mais … onde aparece totalmente distorcida a forma como patrão e trabalhador se apresentam no estado social, já que são os próprios partidos a fomentar o extremar de posições que não conduz à verdade para um futuro de que depende a construção de um novo país.
Soares dos Santos foi um patrão com uma personalidade singular, um homem livre e corajoso que atacou primeiros ministros, a que chamou de megalómanos e mentirosos, mesmo que inteligentes. Que criticou o valor do salário mínimo dizendo que o país se contenta com pouco porque somos miseráveis e gostamos de o ser. Foi um patrão que afirmou que ninguém trabalha com gosto ganhando pouco e sem incentivo. E numa entrevista ao SAPO 24, afirmou que isto é uma ”terra de primos” que passam a vida a fazer jeitos uns aos outros.
Como tudo isto se aplica e continua nos tempos actuais!… O nosso Primeiro Ministro vive agora mais uma vez a sua oportunidade de se mostrar um líder com autoridade … e lá surge de peito feito a propósito da crise energética e das greves dos motoristas de transportes de matérias perigosas como o grande salvador do cataclismo energético. Pena é que o povo português não consiga pensar e analisar esta falsa magistratura declarada em que se permite a manipulação e o mudar cenários como se de uma ópera se tratasse.
A política praticada desta forma e tudo o que actualmente se discute sobre o direito à greve é algo que num português mais esclarecido faz nascer uma catadupa de interrogações, sem que nunca chegue a perceber a verdade. Toda a novela da greve dos camionistas de matérias perigosas foi minada quer pelos partidos de direita quer pelos de esquerda: Uns remeteram-se ao silêncio, outros sugeriram adiar a greve, e ainda outros nem sequer souberam bem o que disseram. Entretanto, os telejornais exibiram centenas de imagens de dois advogados, um a representar os patrões e outro a representar o Sindicato, mas, sinceramente, não estou segura de qual deles é o da direita ou o da esquerda!… Mais me parecem cenários de uma ópera!…
Assiste-se a um quadro de protestos – camionistas, professores, enfermeiros, polícias, pessoal de bordo de companhias aéreas e muitos outros – justos ou injustos, mas a atitude de um Governo perante uma greve não admite que ele não saiba acompanhar essa greve de forma a não fazer um pão amassado com uma mistura de serviços mínimos, requisição civil, forças militares, forças policiais . . . tudo sem explicar a verdade do que realmente se passa ao povo português, antes assumindo autisticamente quais os direitos a defender e quais os direitos a não respeitar.
Formou-se uma “geringonça” para governar com legitimidade e a bandeira sustentada era a da maravilha. Olhemos, o ontem ou o hoje do posicionamento desses políticos quando agora, quatro anos depois e só para lutarem por maiorias absolutas nas legislativas, são capazes de despir na praça pública os parceiros que os ajudaram a construir aquela legitimidade e/ou a aprovar leis, orçamentos, etc. Agora já só o PCP é “um partido de massas” porque o BE é “um partido de mass media”, segundo afirmação textual do nosso Primeiro Ministro, há quatro anos o principal mentor da “geringonça”.
Era esta a política em que homens como Soares dos Santos não se reviam porque, quando já afastado da Empresa e nela aparecia, recebia beijos dos trabalhadores que lhe endereçavam pedidos para o fazer.
No meio de tudo isto, volto a repetir que também não me revejo nesta forma de fazer política actualmente, porque não vislumbro um Futuro onde se posicione a Verdade.