Opinião – As coisas são mesmo assim e não há como fugir-lhes

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Acabei a Licenciatura em Medicina em 1979… Fiz o estágio de policlínica, como na altura se dizia entre o Hospital Distrital de Viseu e os Hospitais da Universidade de Coimbra, com oito meses de estágio em “Saúde Pública” que mais não era que trabalhar num Centro de Saúde, o de Tondela, onde se fazia de tudo e em grandes números.
Depois, em 1982, fui para o “Serviço Médico à Periferia” em Seia, onde cheio de antecipados medos, rapidamente me apercebi do que era a Medicina na sua prática mais real. Assim que cheguei e me apresentei logo me puxaram por uma escada para… ir fazer um parto e até ao fim desse dia de início de fevereiro faz mais alguns… Depois havia os postos de saúde, quase todos em locais de sede de junta de Freguesia e havia ao Hospital onde tínhamos 14 camas de homens e outras tantas de mulheres. E ainda havia a Urgência de 24 horas por dia.
Foi trabalhar e aprender, cada um por si e a pequena comunidade médica de colegas de curso, por todos.
E lá pelo meio, talvez em outubro, apareceram uns tantos médicos já mais velhos, alguns dos P4 a P6 que vinham para ocupar as vagas de “Clínico Geral”. Estávamos nos primórdios do que se estava a criar… O Serviço Nacional de Saúde.
E se trago isto para aqui é porque foram tempos marcantes esses do início e que para mim continuaram em 1 de março de 1983 com a colocação no Centro de Saúde de Coimbra numa extensão em que por baixo do gabinete, de chão de tábuas, havia um curral.
Quais as diferenças do antes para o depois? Qual a formação que se dava então e se dá hoje aos médicos? Qual o tipo de oferta de serviços de então e de hoje?
O que crescemos e como crescemos?
Porque iniciámos com os vícios dos antigos “Postos das caixas” e não logo com numa bem pensada estrutura? Como fomos capazes de crescer e conseguir a qualidade que atingimos na mais tarde designada especialidade de Medicina Geral e Familiar? Como fomos capazes de ajudar a que neste País indicadores de saúde fossem dos melhores da OCDE? Como vencemos barreiras algumas das quais hoje ainda tendem a existir mesmo que em surdina ou se calhar já em altos berros?
Foi isto obra do Serviço Nacional de Saúde dos gabinetes ou o daqueles que no terreno batalharam contra todas as faltas, faziam tudo o que era pedido e muito mais, atuando em função daqueles para quem trabalhavam?
De facto foi substancial o que atingimos na Medicina de proximidade que é a Medicina Geral e Familiar. A muito nos obrigámos em rigor de realização e em pensamento estruturado para a melhor utilização dos recursos existentes.
E no entanto continuam suas Entidades a falar em números de consultas em hospitais, em números de cirurgias dos hospitais em gastos excessivos, em falta de medicamentos em dívidas de hospitais…
E de bons exemplos por que não se fala como por exemplo da organização das Unidades de Saúde em Cuidados Primários com indicadores, contratualização cumprida e com ganhos mensuráveis.
Sem a criação do Serviço Nacional de Saúde que em muito privilegiou a medicina extra-hospitalar, a formação não seria a que hoje é, as faculdades não teriam o grau de exigência e de formação que hoje têm, os Internatos não teriam a seriedade e a profundidade que hoje têm e as populações não teriam o que hoje têm e de que, por já estarem por demais habituadas a à qualidade, reclamam quando o padrão não é mantido, a maioria das vezes por culpas não assacáveis aos médicos.
A Medicina Geral e Familiar com visão estratégica e uma praxis tática cresceu, tornou-se a “base” do serviço e cresceu tanto na prática como na ciência e tem agora modelo organizacional sólido (o modelo USF) e mesmo pujantes sectores de formação e académico.
Comparemos agora com o que me aconteceu quando comecei a ser médico…

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