Nunca deixo de ficar surpreendida com a capacidade com que os que exercem cargos políticos ou de nomeação têm em se agarrar ao tema da moda. No tempo em que a desflorestação era um tema na agenda internacional era vê-los todos escorreitos e animados a plantar árvores. Perante a objetiva dos jornalistas fazia-se um sorriso, colocava-se a árvore, aconchegava-se com terra e regava-se. No tempo em que o envelhecimento da população mostrou a falta de estruturas para receber os muitos idosos desamparados vivemos a época do primeiro tijolo do lar ou do centro de dia. Pose, flash, discurso e estavam garantidos uns quantos votos. E depois vieram os incêndios, os hospitais, as escolas e por aí adiante. O ponto comum é que depois da fotografia iam todos ao lanche comer as especialidades locais. E então, não é que hoje são os pastéis, os chouriços, os presuntos, as rosquilhas, as tigeladas, as morcelas, as ditas especialidades locais que são o tema da moda? E é vê-los, presidentes de câmara e de juntas de freguesias, a correrem para exibirem a sua especialidade local, os ditos produtos endógenos que, de repente, passaram a ter estatuto de estrela. Ainda com a boca cheia falam das “suas iguarias” e dizem frases que aprenderam recentemente: a gastronomia é fator de desenvolvimento local e aumenta o turismo. Todos querem ter o seu produto, a sua receita, o seu elemento gastronómico diferenciado. A vontade é tanta que, às vezes, andam a discutir os limites geográficos da receita, criam histórias alternativas quanto à origem da mesma e gritam a plenos pulmões “a minha é que é a original!!!!”. Isto como se as receitas nascessem construídas e resultassem de inspiração divina ou de qualquer entidade extraterrestre.
É verdade, hoje o tema da moda é a gastronomia. E como tal, os tais que gerem a causa pública são derramados na sua defesa. Então, como podiam não ser se rende tantos votos? Com a vantagem de que quando é para comer estamos sempre disponíveis. E bem razão tinham os antigos para dizer que “com papas e bolos se enganam os tolos”. Dêem festa ao povo que ele gosta e e enquanto come não fala.
Vem tudo isto a propósito do Concurso 7 Maravilhas Doces de Portugal. Na primeira edição, em 2011, discutiam-se em várias categorias, os melhores exemplos da gastronomia portuguesa. Quase todas as candidaturas foram promovidas pelas Confrarias ou por Associações de Produtores. Da parte das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia havia o distanciamento, não só porque não se acreditava no potencial da da gastronomia para influenciar a economia e a sociedade, mas também por se achar que era algo que deveria emergir da sociedade civil. Na final, em Santarém, foram as confrarias e associações de produtores elogiadas e foram elas que subiram ao palco para receber o galardão. Passado 8 anos não poderia ser tudo mais diferente. De repente, o tema da gastronomia colou-se à política ou a política colou-se à causa da gastronomia. De repente, é preciso investir o que os municípios têm e o que não têm para conseguir o dito galardão. No ano anterior, na final da edição das 7 Maravilhas à Mesa foi constrangedor observar a postura dos gestores da causa pública que reagiram como os miúdos que demonstram mau perder no jogo do berlinde. Na altura lembro-me de ter desviado o olhar para não ficar enjoada com as cenas a que estava a assistir. Lembro-me de ter pensado que era pena que uma iniciativa privada com apoios públicos (justificados por mostrar o país real e completo) se tivesse transformado numa feira de vaidades onde o cacique se encarrega de investir com a justificação de que é bom para a comunidade.
Este ano, chegou a vez dos doces. Ávidos, foi a corrida à candidatura. Com a certeza de que atrás da gastronomia vinham as televisões, a imprensa e as rádios, os ditos gestores da causa pública chegaram-se à frente e reclamaram para si o direito de protagonizar os principais momentos. A comunidade foi envolvida no folclore, na gritaria, no pula e salta. A comunidade, entenda-se, aquela que não percebeu o verdadeiro interesse ou aquela que resolveu fazer o favor político. A que, habitualmente, não é conhecida pela subserviência à vontade dos que gerem foi deliberadamente afastada. Bela maneira de conter para eles o protagonismo.
Diz-se que dos “fracos não reza a história”, pois esta é contada pelos vencedores. Mas dos valentes sim. Estes sobrevivem à história pois tiveram a capacidade de mudar, de criar novos paradigmas sem os quais nunca seria possível viver o presente. Acredito nisso no que respeita aos que fizeram do Portugal gastronómico uma realidade a ser tida como decisiva na evolução económica e cultural do nosso país. Acredito nisso porque quando passar esta febre dos ditos gestores pela gastronomia, doçaria, cozinha regional serão os que iniciaram a caminhada que estarão disponíveis para segurar as pontas. Depois da pose, do sorriso e da fotografia vamos voltar a ir ao lanche como algo natural e vamos saltar de tema como acontece nas redes sociais. E os valentes estarão atentos, certos da sua missão. Tenho a certeza disso.