Há coisas que não se esquecem… quem viu os ‘Sacanas Sem Lei’ do Tarantino sempre lembrará a cena da taberna onde uma actriz e alguns soldados alemães, ligeiramente embriagados, comemoravam uma qualquer efeméride. Quando ali se juntaram uns poucos ‘Sacanas’ (soldados americanos que tinham por missão matar nazis da mais vil forma possível), que se faziam passar por oficiais alemães, os outros, os verdadeiros germânicos, estranharam-lhes o sotaque, mas foi um dos ‘Sacanas’ quem acabou por denunciá-los. O simples gesto que usou para pedir três bebidas expôs a sua origem: os dedos anelar, médio e indicador esticados, em vez dos dedos mindinho, anelar e médio, como faria qualquer alemão, foram o suficiente para motivar a chacina.
No cinema, como na vida, o diabo está nos detalhes.
E o nosso Ministro da Administração Interna comprovou-o esta semana quando, confrontado com a natureza inflamável das famosas ‘Golas’, mostrou um inusitado nervoso miudinho, que fez soar os alarmes de marosca da grossa.
É claro que o que menos importava era o poliéster das famigeradas ‘Golas’, mas o tom histriónico e o eco do dedo matreiro do Cabrita a bater nos microfones inflamaram os ânimos e, assim, em vez da montanha ter parido um rato, de notícia em notícia, a ‘irresponsabilidade e o alarmismo’ que o Ministro atribuíra aos jornalistas deram mote a uma nova temporada da célebre ‘Familygate Socialista’.
Confesso que o extraordinário percurso político do padeiro que fez sucesso a colar cartazes e a distribuir panfletos e que, por tais dotes, foi directamente promovido a Técnico
Especializado em Protecção Civil, ou a vulgaridade das negociatas que envolvem o filho do Secretário de Estado, não me apanharam desprevenida, mas ainda me espantou o arrojo destes governantes e a credulidade de gente que se basta com umas reles ‘Golas’ e uns patéticos apitos de plástico, em vez de exigir estratégias que desagravem o abandono a que foi lançado.
E, mais ainda, continua a irritar-me a sacanice de quem sai de cena conforme melhor lhe convém, abandonando os pequenos mexilhões à sua bastardia. Esses sim, são os verdadeiros sacanas sem lei.
A prová-lo, e depois de se terem conhecido mais uns quantos casos de familiares de actuais governantes que vivem por conta de contratos com o Estado, o Governo veio esclarecer que não quer saber do que diz a Lei das Incompatibilidades, pelo que já pediu um Parecer à Procuradoria-Geral da República, que eu aguardo ansiosamente – confesso – na expectativa de, afinal, não estar obrigada a cumprir a lei em vigor sempre que a mesma me pareça estúpida… ao diacho com todas as taxas e impostos descomedidos ou disparatados!
Mas lembrando que o Cabrita também achou absurda a regra que impedia o recrutamento de guardas florestais com carecas, hemorroidas, exantemas, gaguez, falta de dentes, tatuagens ou borbulhas, pergunto-me por que raio não ignorou ele a dita norma? Será que, nesta terra sem lei e inundada de sacanas, a interpretação restritiva só vale para os negócios da Família?
E se regulássemos esta ‘tropa fandanga’ e acabássemos com as suas vergonhosas novelas, discutindo incompatibilidades e impedimentos de forma séria e responsável, como convém, em vez de violarmos o Princípio da Legalidade, essencial a qualquer Estado de Direito?
É que, mais uma vez, os detalhes são importantes e, ainda que pudesse ser só fumaça, o povo está cada vez menos sereno.
É impossível não desconfiar de negócios de empresas onde o próprio Pedro Nuno Santos tem participação, quando percebemos que aquelas facturaram bastante mais nos anos da sua governação do que até aí. Cheira a esturro… E a mesma dúvida impende sobre eventuais influências da Ministra da Justiça, cujo marido, que antes de 2015 já fazia negócios com o Estado, passou nos últimos quatro anos de uma facturação anual de 66 para 250 mil euros/ano. E sobre a Ministra da Cultura que estará no meio de trama igual…
Quando todos se borrifam na lei, é assim: sacanas de um lado, otários do outro.
2 Comments