Opinião: Alvorada em Agosto

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É em agosto que menos me custa levantar de madrugada e cumprir alguma obrigação e, por essa razão, este ano estive em Trancoso no iniciar da sua Feira Anual de S. Bartolomeu. Fi-lo tal como “quando, em Abril de 1895, Pinheiro Chagas morreu, Ramalho Ortigão, que acompanhara com a solidariedade da sua crítica tenaz a irreverente geração de Coimbra, prestou-lhe homenagem «em nome dos grisalhos» do seu tempo”1 .
Fi-lo em solidariedade com os muitos agricultores cada vez mais grisalhos, e também em solidariedade com os muitos que tiveram que partir à procura de um destino novo que nunca chegou para alguns.
Estive assim junto às Muralhas das Portas de El-Rei em Trancoso.
Fi-lo como se a minha madrugada pouco dormida pudesse augurar um futuro melhor, e logo agora e quando alguns se aprestam para conquistar lugares de mando, mas onde só servirão senhores de um capital fictício que em nada contribuem para o bem comum. Estavam aqui feitos heróis de coisa medíocre, já que neles ninguém acredita como trazendo qualquer esperança primaveril ou de farta colheita veranil. São pessoas que esperam apenas que da manipulação dos eleitores lhes venha o pão de cada dia.
Havia muito apetite que levava os emigrantes a almoçar bem cedo e eu almocei com eles, mas poucos me falaram de agricultura. Falaram-me de problemas e de vidas tornadas ainda mais difíceis por desaparecerem clientes por morte natural. Mas o problema é a incapacidade dos Governos colocarem em marcha procedimentos que, por sua vez, permitam a existência de uma agricultura adaptada às novas condições do mercado e, por isso, capaz de atrair novos agricultores e, ainda, dar esperança de uma vida digna no campo aos que ainda resistem aos desastres naturais e governativos e, também, a algumas ideias abstrusas que, vencendo, provocam problemas ambientais.
Falam-me por isso de algumas ameaças em marcha, perguntando-me se sei delas. E confesso que sei pouco, esperando que gente honesta e sabedora nos esclareçam com os necessários estudos de impacto ambiental.
Ao percorrer as estradas da Beira, encontrei muita inércia no resolver dos problemas das populações afetadas pelos incêndios de há dois anos. Pior ainda, sem nada se fazer para replantar as áreas afetadas e sem aproveitar o que sobrou. E, também, por não se dar grande esperança ao turismo em espaço rural.
E isso inquietou-me.
Sinto como tudo é bem diferente do tempo em que estas aldeias estavam cheias de gente, cultivando batatas que eram aqui o símbolo máximo desta terra tão produtiva. E agora nem sequer se fala da batata de semente de Montalegre e muito menos da de Videmonte.
Sinto apenas que muita coisa boa acabou sem razão válida.
É pena.

1 Luiz Teixeira – Alvorada de Agosto, Clássica Editora, Lisboa, 1949, pp. 186-187.

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