Opinião: Sal e modernidade, qb

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Gosto de modernidade, de novas soluções aplicadas a velhos e novos problemas, mas, reconhecendo-lhe o aroma pujante, aplico-lhe a mesma receita de qualquer pitéu: condimentos e especiarias em dose q.b. para não estragarem o sabor principal.

Vem isto a propósito do voto electrónico, e outras soluções inovadoras, de que hoje se fala no combate ao abstencionismo.

Para que a nossa democracia seja de facto representativa, é imperioso aumentar a participação das pessoas e, por isso, a discussão é incontornável.

Todavia, ninguém terá dúvidas de que a preocupação principal deve ser com o combate às razões que afastam as pessoas da causa pública. E, como diz o povo, é aqui que a porca torce o rabo, pois todos afiançam que a galinha da vizinha é mais corrupta do que a sua e, de consciência falsamente aquietada, cada um continua a alimentar a gula dos seus próprios galináceos. (Que me perdoem os bichos por estas malfazejas comparações!)

Ora, não sendo com certeza a causa exclusiva do tal afastamento que todos queremos combater, esta atitude de passa-culpas, enxotando a água de capote em capote, não pode ser mantida.

Costa e Rio (quiçá verdadeiros gémeos separados à nascença) anunciam preocupações semelhantes no ‘combate à corrupção’, mas, na Hora H, servem-se das convenientíssimas presunções de inocência e, num ápice, mandam as boas intenções encher um Inferno a rebentar por todas as costuras.

Têm-se comportado ambos como vulgares mafarricos, regalados com os artifícios da lei, esquecendo-se que o povo precisa de exemplos de condutas éticas, justas, respeitadoras da democracia, e não se basta com o estrito cumprimento de uma legalidade que lhe falha mais do que devia…

Por cá – é bom não o esquecermos – temos um Presidente de Câmara em prisão domiciliária em exercício. Se uma qualquer fake new tivesse noticiado façanha igual, a indignação e a chacota seriam rainhas. Mas, assim, como a notícia é séria, integramo-la com aparente normalidade. (estamos cada vez mais próximos do Brasil, onde o Ministro da Justiça acabou de “tirar uns dias de licença do cargo porque precisava de “energizar”.)

E, já agora, em Barcelos, se a medida de coacção aplicada tivesse sido a prisão preventiva, com o senhor Miguel Costa Gomes entre grades, como asseguraria o Estado o exercício das suas soberanas funções? Engavetaria com ele umas quantas secretárias e outros tantos assessores para ali o ajudarem? Enjaulava-os, a estes, pela manhã e dava-lhes ordem de soltura ao final do dia, ou fazia-os pernoitar no cárcere, com direito a horas extraordinárias, ajudas de custo e despesas de representação?

Se não fosse trágica, esta novela seria cómica. Assim, sendo nós gente de brandos costumes, a galhofa cede lugar a uma desconfiança que afasta as pessoas da vida política e que as soluções electrónicas não resolverão miraculosamente.

É claro que, se pudermos, sem mais, votar nos nossos smartphones, aumentaremos num repente a percentagem de votantes, mas, aí, haveremos um novo problema: o voto impulsivo, reactivo, irreflectido, contrário ao que a eleição dos representantes do povo deve ser. Serão os paradoxos dos novos tempos… Maior ou menor representatividade, afinal?

É importante pensar em soluções modernas, sim, ponderá-las, experimentá-las, mas urgente, muito urgente, é discutir as razões que justificam esta descrença generalizada nos partidos políticos e nas pessoas que nos representam… porque essa pode ser doença fatal.

Sim, a modernidade vai bem, mas com moderação, para não dar em saloia modernice.

Que falta nos fazem uns Grilos Falantes que nos obriguem a pensar, repensar, e voltar a pensar, que nos façam recuperar os velhos hábitos de ouvir, pensar, discutir, experimentar, melhorar… enfim, não é essa a última conquista dos robôs que nos traz tão preocupados?

E se, em vez de nos atemorizarmos com os perigos daquela ‘inteligência artificial’, não abdicarmos do uso da nossa própria inteligência?

Mais modernidade e menos modernice? Sim, por favor!

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