Passava das três da tarde. Duas pessoas amigas vindas de Lisboa no dia do feriado em Coimbra esperavam na esplanada de um bar. Mostravam-se arreliadas com um facto que mais à frente resumirei. Por isso, passaram a ver a cidade num pedregoso e áspero cinzento. O seu olhar declinante foi para mim um desconsolo. Mas procurámos salvar o dia.
Com elas veio o pintor e ilustrador contemporâneo que mais aprecio, João Vaz de Carvalho.
Encontrámo-nos na exposição magnífica que reúne alguma da vasta obra de Vasco Berardo. Depois fomos lanchar caminhando ao longo da Visconde da Luz e da Ferreira Borges, onde a meia-luz coada àquela hora se abatia sobre o casario mirrado, deixando para trás a Rua da Sofia, património classificado pela UNESCO.
Por estes dias chegou a notícia de que foi incluído na distinção da UNESCO o Museu Nacional Machado de Castro. Justíssimo. A sua requalificação gizada pelo arquiteto Gonçalo Byrne, a captação de visitantes, a história que condensa, são aromas férteis que devem pontificar no orgulho coimbrão.
O Museu Nacional de Machado de Castro é um dos ainda escassos museus centenários de Portugal. Monumento nacional desde 1910, onde está depositado um espólio constituído por mais de uma centena de obras consideradas Tesouro Nacional, com peças de escultura, pintura e artes decorativas, situa-se no antigo fórum da cidade em época romana, do qual resta o impressionante criptopórtico, datado de meados do séc. I. À época, aqui assentou a sede da vida política, administrativa e religiosa de Aeminium, a Coimbra romana. O que pode isto ter a ver com os meus amigos e com aquele facto que tanto os arreliou e que mais à frente resumirei? Já lá vamos…
Naquela tarde passeámos um pouco pela Baixa, pelas ruas vagas que há muito deixaram os seus ofícios. Regressámos à Rua da Sofia. Eles notaram com angústia a profusão de toldos, placards publicitários, parca pedonalização e uma certa descaracterização. Estes meus amigos, gente do jornalismo, da escrita, das artes e da cultura, com muitas milhas percorridas por este mundo fora, sentiram que as impressionantes marcas culturais de Coimbra se desbotavam na corrente dos souvenirs. A cultura cosmopolita que se respira nas cidades sente-se muito na vivência das ruas. Eu acredito nisso.
Mas eis que chegou a altura de contar a causa do arrelio. Os meus amigos deslocaram-se a Coimbra também com a intenção de visitar o Museu Nacional Machado de Castro.
Vinham à espera de encontrar no dia da cidade uma articulação cultural que ali lhes permitisse usufruir do espaço e, ao mesmo tempo, assistir a uma programação especial em dia de feriado municipal. Acontece que, pasme-se, o Museu se encontrava encerrado. Justamente no dia em que devia estar ativo. No dia em que as portas deviam estar abertas, captando público e tornando o espaço museológico num lugar de fruição dos cidadãos, este aferrolhou-se.
Junto-me aos que celebram a inclusão do museu na área classificada pela UNESCO, mas, enquanto os lobos uivam à lua, sento-me a pensar que ela é bela, sim, mas temos de encontrar maneira de lá chegar. Temos de poder visitar os museus em dias e horas diferentes, eles devem, na minha parca opinião, ser espaços de usufruto, de educação e de democratização da sociedade. Não ouvi ninguém dizer nada.
Ainda assim, procuro sentar-me a pensar como este museu é belo, como gosto de o visitar, de por ali almoçar aos sábados… De fotografar os telhados da Sé Velha. Há nesta distinção duas pessoas a homenagear. Duas Mulheres. Ana Alcoforado e Clara Almeida Santos. Deram um sábio e inigualável contributo. Mas é preciso continuar o trabalho, pois há muito para fazer.