Opinião: Aquele peido não é dele, é meu

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O país está a arder de novo. Mais uma vez pagamos o elevado preço da desertificação do Interior, há vidas ameaçadas, perdemos casas, arderam os meios de subsistência de uma população cada vez mais isolada e envelhecida.

Repetimos os mesmos constrangimentos e as queixas de sempre, compungimo-nos quanto baste, mas não fazemos nada para que o Interior se torne mais forte, capaz de combater este e outros flagelos que o acometem.

E, de ano para ano, lá restam uns quantos portugueses, abandonados à triste sorte que inevitavelmente o calor lhes traz.
Acossados pelo fogo, são homens e mulheres, brancos, negros e ciganos, cristãos e muçulmanos, de todas as raças e géneros, porque as chamas não discriminam ninguém. São de todos os jeitos e feitios, mas são poucos, porque o país, esse sim, discrimina, e muito, os que por ali se quedaram, os que não se encandearam com as luzes das grandes cidades, os que insistem em viver e morrer na sua terra. E esta é, talvez, a pior e a mais mortal das discriminações a que por cá assistimos, dos mais velhos, dos mais isolados, dos mais desprotegidos.

Tristemente, aprendemos pouco com as tragédias de 2017. Mais de uma centena de mortos, vítimas da impreparação de um país, refém de interesses alheios e ocultos, e… nada.

Dois anos volvidos sobre os terríveis acontecimentos de Pedrógão, e a fatídica ‘estrada da morte’ está outra vez ameaçada por uma vegetação que foi dona e senhora das vidas que aí se perderam. Dois anos passados e só restam os processos dos 10 arguidos que responderão em Tribunal por alegadas falhas na prevenção e no combate ao fogo. Mais nada… como se o resto do país estivesse livre de culpas.

Desde aí, e dos incêndios que em Outubro do mesmo ano levaram mais umas dezenas de vidas, e ninguém apresentou nenhum plano sério para combater os malefícios da interioridade. Já não ouvimos falar da utilização de drones ou outros dispositivos de detecção precoce de incêndios e nem de políticas de fundo para aquisição de meios pesados de combate… nada!

E, por estes dias, percebemos que nada mudou.

Mais uma vez, o ferido mais grave dos incêndios de Vila de Rei esperou quatro horas para ser helitransportado por causa de uma confusão indesculpável.

E voltámos a deixar três Kamovs, aptos a voar, parados em Macedo de Cavaleiros, porque faltava uma qualquer autorização.

Não há desculpa para esta negligência grosseira (que conveio a alguém, certamente).

E também não há desculpa para o vergonhoso passa-culpas entre o Governo e as Autarquias, para a falta de água e comida para quem combate as chamas, enfim… não há desculpa para a costumeira sem-vergonhice de gente que tão-só se preocupa com as consequências da desgraça alheia nas próximas sondagens.

O problema não é de hoje e, por isso, não basta acusar o Governo pela sua inacção. É claro que o Primeiro-Ministro tem responsabilidades, tal como o Ministro da Administração Interna que em Março passado anunciou que o país estava preparado para enfrentar o risco de incêndio, mas não são os únicos.

Pelo contrário, esta situação é resultado de um rol de políticas desastrosas que foram deixando grande parte do país abandonado à sua sorte.

E a verdade é que, até hoje, ninguém protagonizou um debate sério e nem apresentou qualquer estratégia sobre o assunto.

Ninguém se rala, porque o Interior vale cada vez menos votos e todos se limitam às vás promessas do costume, tomando-nos, a todos, por parvos. Costa, Rio, Catarina, Jerónimo, Cristas, e mesmo o rapaz do PAN, estão todos rendidos à geografia dos votos.

E, entretanto, os líderes dos dois maiores partidos guerreiam pela autoria do anunciado abaixamento de impostos, a medida-bomba para a próxima legislatura, à laia da famosa frase do Bocage, “O peido que aquela senhora deu, não foi ela, fui eu”.

Não haverá nenhuma esperança para este país, enquanto, em vez de rumo e estratégias, discutirmos a origem de ares malcheirosos.

Pobre país, entregue a gente que gosta mais de votos do que de gente!

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