Opinião: Académica – e se voltássemos às origens?

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Eu sou ainda do tempo da Académica de Cândido de Oliveira, a do futebol mais vistoso que se viu em Portugal, à altura de competir com os melhores, ressalvando as diferenças de quem tinha Travassos ou Fernando Peyroteo. E a Académica era um clube de estudantes, estudantes mesmo, de Medicina, Direito, Ciências, estudantes amadores com a paixão do futebol. Com a diferença óbvia que distingue um universitário de um analfabeto.

Adriano Peixoto, jornalista, escritor e crítico desse período, muito ligado a Coimbra e à Académica, dizia-me um dia que o profissionalismo era a transição necessária para a qualidade do futebol de alto nível, e o tempo deu-lhe razão. A questão que aqui se coloca é a de saber como se chega ao profissionalismo e aos escalões superiores do desporto. Mesmo para um leigo como eu, parece haver essencialmente duas vias, o mercado e a formação.

Os clubes mais ricos e poderosos em todo o mundo, alguns associados aos magnatas do petróleo, compram os jogadores mais talentosos, por vezes ainda crianças. Os jogadores são meros produtos de comércio, sem deixar de ter as suas contrapartidas. Comprando os melhores jogadores e contratando os melhores treinadores, ocupam os primeiros lugares nos respetivos países.

A segunda via é a da formação, em fase crescente, em clubes que hoje parecem verdadeiros ninhos especializados na descoberta de talentos e na sua valorização até ao topo dos rankings mundiais.

A Académica foi muito forte enquanto foi amadora, foi perdendo brilho e descendo à medida que entrou no mercado. Pelas circunstâncias próprias do clube, sem ligações ao mundo empresarial e de negócios, e numa cidade sem condições para esse tipo de suporte, a Académica foi estiolando, e é hoje uma memória grata a tantas gerações de antigos estudantes, mas onde quase tudo se resume à palavra mágica de Coimbra: saudade.

A matriz organizadora da atual Académica não encaixa na matriz fundadora da gloriosa Académica nem conserva o espírito estudantil do passado. As únicas coisas que a ligam à Universidade são o nome, a memória e a saudade. Estou a sugerir um regresso ao passado? Não, mas permito-me defender uma viragem progressiva, mas radical do modelo do mercado para o modelo da formação. É aqui que pode encontrar as condições ótimas, porventura privilegiadas, para o sucesso. A estratégia global seria o regresso à Universidade e às escolas em geral, logo a partir do ensino primário.

O primeiro trunfo da Académica é um campo de recrutamento imenso: 40 ou 50 mil estudantes no ensino superior, muitas dezenas de escolas dos ensinos básico e secundário no concelho e mesmo em concelhos periféricos. Muitos talentos à espera de oportunidades, sem prejuízo obviamente das respetivas carreiras académicas. Poucas cidades e concelhos dispõem de tantos recursos potenciais para um único clube com projeção nacional.

Em segundo lugar, a Universidade e Institutos Superiores seriam ser a melhor retaguarda de suporte ao desporto e ao futebol, através de protocolos entre instituições da mesma família, criando condições de colaboração em todas as áreas que interessam à formação de quadros e especialistas desportivos e todos os serviços complementares: a Faculdade do Desporto, a Faculdade de Medicina, a ES de Enfermagem e todas as outras podem ter interesse em ter um espaço de trabalho, de investigação e de aplicação para a formação e profissionalização dos seus alunos. Nem sempre as instituições de ensino superior dispõem de um universo tão amplo para estudo, investigação e aplicação nas suas áreas de trabalho. Coimbra nunca teve estes meios como agora. Com interesses comuns. E com laços que ligam os membros da mesma família.

E os resultados, Senhor? Sim, importa assegurar resultados económicos para as partes envolvidas, e resultados desportivos que avalizem o projeto. Não faltam hoje exemplos de enorme sucesso por esta via. Os resultados surgirão com tempo, trabalho e o aperfeiçoamento de todos. Nada se faz bem de um dia para o outro. Se os resultados não surgirem por esta via, dificilmente surgirão pela via do mercado. Claramente, não é o ponto forte nem da Académica nem de Coimbra. A marca da Académica tem de passar pelo conhecimento, formação e inteligência. E pela capacidade de descobrir os talentos nas nossas escolas.

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