Opinião: Tiririca, ou quando a vida melhor não fica

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Portugal foi atacado pelo fenómeno Tiririca, o tal cuja mensagem política mais relevante era a de que “pior não fica”. Também ali, a mensagem (in)formativa mais saliente era a de que “a classe política isto” e “a classe política aquilo”. A ideia era a de fugir à evidência deste mundo de apenas duas classes, uma delas querendo progredir viçosa às costas da outra. Enquanto Tiririca vai e vem vão folgando as costas dos donos das vidas (e dos braços) da gente comum. Como, cada vez mais, por cá.
Quando a intenção é induzir escolhas, importa garantir que, de mensagem em mensagem, quanto menos mensagem melhor. A atividade política desligada das lutas do dia-a-dia – onde a presença determinante continua a ser, naturalmente, a dos partidos de classe (“tradicionais”) – quer-se vazia ou, quando muito, suficientemente sintética para que não desorganize a ordem neuronal modelada pelas TV’s e pelas redes sociais. Numa tal intenção, a mensagem chega mais longe se não estiver relacionada com a realidade própria de cada vida. O processo é engenhoso e está estudado – o eleitor (o cidadão) é tratado como aquilo que se pretende que seja: um consumidor. Assim sendo, a mensagem eficaz é a que constrói a opção a partir da insistência num número limitado de “verdades”, repisadas até se tornarem indubitáveis.
Há, neste mercado de boas escolhas, uma linha de produtos “vintage”, do tipo Tino de Rans, que se consome por ser “igual a nós”, provavelmente bem-intencionado, aparentemente inofensivo, claramente ambicioso. E também uma linha espalha-brasas justicialista reciclada que, de tanto ser contra os políticos, acaba por sucumbir ao tacho em que se enfia, onde é consumida e atirada fora.
E há os produtos novos, aqueles das promoções, de consumo digamos light, de mensagem descomprometida como as conversas de café, do género “ser de causas” quais sejam as do ambiente mas sem mexer nos lucros dos poluidores, do bem-estar animal mas excluindo os do género humano, do qualquer-coisa-que-pareça-fofo e não seja nem de esquerda nem de direita, qual é a sociedade sonhada para a “concertação social” em que os poderosos possam legislar. Há de chegar o dia em que se extingam, quando a novidade der lugar ao desencanto. É que a esquerda e a direita existem mesmo, conforme a posição que se tenha relativamente ao valor do Trabalho no equilíbrio das vidas. Por haver quem use o seu trabalho para dali retirar a sobrevivência, às vezes sem horizonte maior do que o fim do mês (tomara que a saúde nunca lhes falte).
Os partidos não são novos nem são velhos. São representantes dos interesses das classes que os geraram, mesmo quando os implicados neles não votam. Mesmo quando as campanhas publicitárias lhes permitem chegar ao poder de onde ofendem os seus eleitores o tempo bastante, assim mesmo, de consolidar posições – privatizar o que é de todos, enfraquecer as estruturas de classe, legislar para a precariedade, ampliar as clientelas, reduzir os instrumentos de soberania, transformar a saúde, a educação e a água em mercadoria; mesmo quando a “preocupação social” é insuficiente para perceber que não há dignidade mais ferida do que a dos humanos trabalharem e passarem fome; a da natureza que é empurrada para o que sobra dos territórios do lucro rápido e fácil; a dos humanos que se vendem – em corpo ou em alma – para o proveito de quem os usa para si só; a da “liberdade” convertida em produto de consumo também, acessível aos sonhos de todos, mas às posses só de alguns.
As eleições estão à porta. Haverá, claro, quem se sente no sofá à espera das novidades. E há de haver quem não desista de fazer do voto um instrumento (um mais) de esperança.

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