Opinião: “Porque sim” não é resposta

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A resposta mais coerente que já ouvi a alguém para justificar ser de um clube é “porque sim”. Este “porque sim” não serve ideologias, não serve condutas nem éticas, não serve nada que possa atrapalhar um pensamento mais acéfalo. Mesmo não parecendo, “porque sim” é coeso e lógico. Dá-nos o argumento de podermos defender qualquer coisa e o seu contrário. Límpido e confuso ao mesmo tempo.

O clube que diz querer denunciar a corrupção no futebol é o mesmo que há escassos anos foi apanhado em escutas a escolher árbitros e a oferecer-lhes lugar VIP em casas de alterne. Aparece hoje a clamar pela justiça e a bater com a mão no peito, protestando em frente ao tribunal que o condenou por violação de correspondência privada do rival. Esse mesmo rival apregoa inocência, estando à vista de todos que algo de comprometedor se há-de encontrar nos e-mails pirateados. Um terceiro clube, que se diz envergonhado com o futebol em Portugal, foi o mesmo que viu um dirigente seu mandar colocar dinheiro na conta de um árbitro no Funchal, para o tentar incriminar. Haverá entre os clubes quem não tenha telhados de vidro? Então por que razão andam todos a atirar pedras para o ar? Ainda assim, entre adeptos, encontramos gente inflamada a atacar clubes rivais e a sustentar as virtudes do seu emblema.

Os canais generalistas caminham vertiginosamente para um precipício de insultos, perpetrados por uns tipos que exploram, a quem apelidam de comentadores, a quem pagam para serem enxovalhados em público, gritarem, usarem de verbosidade calaceira, muito jargão, injúrias e vitupérios. É vê-los de saliva a esbranquiçar no canto da boca, de olho nervoso fora da órbita, quase roxos, a lançarem decibéis desalinhados contra o tipo da cadeira ao lado, em atos mais ou menos trágico-comediantes. Tudo vale por uma boa audiência. Tudo por quê? Pela razão do costume, “porque sim”.

É vê-los – gente bem-posta na vida – aceitar visualizar o mesmo lance da última jornada umas trezentas vezes, quase de forma psicótica, e sobre ele apostrofar visões incríveis ora de maledicência ora de aclamação, consoante o seu “porque sim”. Se estava ou não em fora de jogo dá discussão para uma semana. Sobre as intenções dos árbitros, proferem-se iguarias que os próprios comentadores retêm para sua memória futura, recuperando os casos sempre que isso lhes sirva para avultar o discurso da dúvida e do ódio.

Os comentadores tornaram-se ídolos das claques, aquelas que são compostas por gente que consegue “limpar” as lojas nas estações de serviço em menos tempo que o diabo esfrega um olho. E que volta e meia vê os dirigentes presos por terem em sua posse coisas que não devem, dedicarem aos árbitros e adversários palavras e gestos que não gostariam de ver destinados às suas mães, por agirem descontrolados quando estão em grupo, por atuarem numa espécie de dupla personalidade quando na primeira parte apregoam incentivos aos seus jogadores e na segunda, quando o resultado não é do seu agrado, os ameaçam e, em certos casos, “lhes chegam a roupa ao pelo”. Uma vez mais, por quê? “Porque sim”.

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