O nosso país já desde há alguns anos que acordou para a temática dos cuidados paliativos, inicialmente em pequenas bolsas e experiências locais, não de uma forma global. Em 1996 foi criada a equipa de cuidados continuados do Centro de Saúde de Odivelas, mas, a primeira unidade de cuidados paliativos em internamento tinha já surgido no IPO do Porto, em 1994. No IPO de Coimbra foi construído em 2001 o primeiro serviço com financiamento exclusivamente público.
Os cuidados paliativos são uma área em crescimento dos cuidados de saúde em Portugal e já dispõem de planos plurianuais definidos com vista a uma adequada e abrangente cobertura do País. O primeiro “Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos” foi elaborado para o biénio de 2017-2018 e está em implementação o plano para 2019- 2020.
Trata-se de uma área habitualmente tida como o “parente pobre” na diametral oposta dos cuidados ultra-tecnológicos que nos cuidam e, com sorte, nos afastam da morte. No que diz respeito aos negócios relacionados com a saúde, estão, de uma forma geral, muito longe da corrente principal, contando apenas para lucros marginais. Tudo isto explica a pouca atenção que recebem de empresas e governos.
Atentemos, agora, às estatísticas mundiais mais recentes que apontam para um aumento de mais 8 milhões de pessoas em sofrimento por problemas graves de saúde (oncológicos e não oncológicos) entre o ano de 2016 e 2060. Destaca-se o aumento do número de doentes em sofrimento por demência, para os quais se prevê que venham a quadruplicar!
Estudos internacionais, com a participação de investigadores também portugueses, identificam claramente que as pessoas preferem o seu domicílio como local de morte. Isto coloca no momento actual toda a pressão no desenvolvimento das unidades de apoio domiciliário para que esta realidade se possa vir a concretizar. Estas unidades estão já planificadas e em implementação, mas parecem mais demoradas que todas as outras respostas, centradas nas realidades hospitalares (serviços, equipas, consultas). Toda a tónica que se tem dado à hospitalização domiciliária deveria ser sempre dirigida para esta resposta à vontade da população. A descentralização dos cuidados de saúde, reorientado-os para mais próximo da residência dos seus beneficiários, certamente que vai ao encontro de uma assinalável melhoria da qualidade de vida do doente, ao mesmo tempo que empodera os familiares e/ou cuidadores para se sentirem úteis e parte activa do processo de tratamento e dos cuidados. Estes últimos são aliados do sistema de saúde e constituem a ponte do doente para uma imagem de “normalidade” que se perde em grande medida com a retirada para o ambiente hospitalar.
Sabemos que a medicina moderna tem um forte viés em relação à medicina curativa: nos países mais desenvolvidos, a morte é tendencialmente medicalizada, colocando cuidados curativos adiante de cuidados paliativos. No entanto, se fizermos um esforço de reflexão, desde a sua origem que os cuidados de saúde contemplam a atenção ao caso individual, ao caso sem cura disponível, basta pensar nas doenças infecciosas nos tempos prévios à descoberta dos antibióticos!
Apesar de todas as evoluções (e foram muitas!), actualmente temos ainda situações infecciosas não curáveis, como é exemplo o caso da tuberculose multirresistente: o que fazer nesses casos? Já o nosso famoso médico Amato Lusitano, no século XVI, manifestava em textos médicos uma abordagem paliativista face a situações de doença incurável.
“Somos analfabetos do silêncio e esse é um dos motivos por que não encontramos Paz.” José Tolentino Mendonça