O que mais gosto nas cerejas é a cor vermelha. Compreendo tão bem o fascínio dos passarinhos que fazem jus ao provérbio “Em Maio, as cerejas, uma a uma, leva-os o gaio, em Junho a cesto e a punho”. Acredito que, para além do sabor doce, seja a cor a chamar a atenção das aves. Por algum motivo na botânica se designa a cereja de Prunus Avium L. A passarada e as cerejas, na verdade, são amigos inseparáveis, cúmplices. A primeira não resiste ao vermelho e a cereja precisa das aves para disseminar as espécies. Mas pelo meio convém chamar as primas para a conversa, as ginjas designadas de Prunus Cerasum L.
Apesar da origem comum e do grau de parentesco próximo, estas são mais ácidas e, talvez por isso, menos atrativas para as aves e para os homens. Por isso, se as cerejas se comem à mão cheia e sofregamente até encher a barriga, já as ginjas são boas para o licor, as compotas e conservas.
Oriundas da longínqua Ásia Menor (Cerasunte, atual Turquia), a verdade é que se aclimataram de forma natural no nosso país sendo que a cereja precisa de frio. Não é a toa que têm fama as cerejas de Trás-os-Montes, Douro e Cova da Beira. Já as ginjas têm fama as do Oeste.
Ainda que o mercado enuncie e enfatize os pregões das cerejas da Cova da Beira e de Resende, o mapa de produção inclui outras áreas de grande reputação que ajudam à diversidade das espécies muito ligadas, naturalmente, à geografia. Falemos da cereja de Penajóia, pequena freguesia do concelho de Lamego e que, segundo registos históricos, apresenta fama na cereja desde o século XVI.
Os solos xistosos e o clima feito de contrastes tão caraterísticos do Douro associados à utilização de variedades regionais (Braga, Rabicha, de Saco) dão o mote para uma produção singular onde as cerejeiras dominam a paisagem. Para além dos pomares, as cerejeiras associam-se à produção da vinha e desenham a bordadura dos campos. Penajóia pinta-se de vermelho em fins de Abril princípios de Maio sendo esta a cereja mais temporã, a primeira. Por isso, a mais gulosa.
Se a produção de cereja abunda na Beira Interior e no Norte do país, vale a pena falar da cereja de São Julião, cuja área de produção está circunscrita a Marvão, Castelo de Vide e Portalegre, Norte Alentejo. Outra geografia, outra cereja. Mais pequena, mais escura, de caroço maior que as restantes produzidas no país, esta tende a ser uma presença discreta no mercado apenas procurada por conhecedores. Contudo, o seu sabor intenso surpreende e cativa novos seguidores que estimulam a procura.
Na Madeira, no tempo dela, a cereja também pinta a paisagem e importa no conjunto da produção frutícola da ilha. A variedade Regional, de grande tradição e também a mais precoce, dá uma cereja miúda no tamanho, mas intensa no sabor. Já a Norberto dá cerejas graúdas a puxar o olho para o tamanho. As variedades Van, Serôdia ou Lustrosa e Grada de Lisboa são mais tardias. A Madeira é bela, mas dizem que os pomares de cerejeiras, lado a lado com árvores típicas locais, ainda a fazem mais bonita.
A cor vermelha, o sabor doce e intenso, a textura carnuda. Atributos mais do que suficientes para fazer das cerejas oferta perfeita na paixão e no amor. Mas é preciso perceber o ciclo de produção da cereja para perceber a força das palavras de Pablo Neruda. Porque o frio determina e a Primavera reconcilia. Procurem, os enamorados, a frase perfeita do amor.
Quero fazer contigo o que a Primavera faz com as cerejeiras.
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