Opinião – “Janela aberta para nenhures”

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Estaremos perdidos no mundo se acreditarmos que as portadas da janela que dão para a Humanidade são as redes sociais. Estaremos enganados se julgarmos que nas redes sociais se gera mais opinião do que na mesa de café, apenas porque ali a solidão tem disfarce. Mas os como eu, que fogem dos comentadores televisivos como o diabo se furta ao contacto com a cruz, é ali que vão colhendo os seus cronistas do mundo-chão, os que se destacam do insulto, do mero desabafo, da bombinha de mau cheiro sob a forma de “post” a macular o ar circundante. O José Gabriel, que era professor de Filosofia e que nunca se despegou das artes de filosofar, é um dos meus comentadores preferidos. Uma vez, numa conversa de foyer acerca da dificuldade da adesão do grande público à música “clássica” disse assim: “a mim não me preocupa as paredes terem ouvidos. Preocupa-me que os ouvidos tenham paredes”.
Por isso, nestes dias de insulto desbragado à FENPROF e ao Mário Nogueira, por clubismo ou semelhante ligeireza, o comentário do Zé Gabriel é luz salvadora no breu da irreflexão. É que o ódio irracional só é mesmo destruidor quando o magote, iludido, se lhe junta em gritaria. Foi assim, muito salvaguardadas as devidas proporções, nos dias de pregar estrelas de David no peito dos judeus, assim foi na noite de bombardear Bagdad, assim vai sendo no fechar de olhos à agressão à Palestina e à Venezuela. As grandes injustiças do mundo nunca dispensam o aplauso dos incautos, às vezes logo a seguir, por sua vez, injustiçados.
Diz o Zé: “É curioso observar como as grandes, médias, pequenas e minúsculas ofensivas contra entidades complexas e dotadas de carácter forte – goste-se dele ou não – seguem sempre uma estratégia de redução sucessiva da identidade do seu alvo até que este possa ser percecionado – por um estupidificante processo de redução – como simples e individualizado até ao mais precatado dos cidadãos. Assim, em crises internacionais, um país passa a regime, o regime a governo, o governo a governante e este a alvo exclusivo, a uma espécie de epítome de todo o conjunto. Contra ele se concentram os ódios dos todos mais ou menos imbecis e, se os seus compatriotas caírem na armadilha, o seu acrisolado – e muitas vezes acrítico – amor. Todos nos lembramos: Cuba que se transformou em Fidel, o Iraque que se transformou em Saddam, Líbia que se transformou em Gaddafi, a Venezuela em Maduro e por aí fora, que os exemplos são intermináveis e bem demonstrativos dos eficazes – se bem que pouco criativos – processos de ação psicológica e manipulação de massas”.
Este processo vem sendo usado e abusado nestes dias de luta dos professores. A lapidação de Mário Nogueira visa, afinal, a FENPROF no seu todo, enquanto organização poderosa de defesa dos interesses dos seus associados (que, por arrasto, defende também os que ficam em casa à espera de, havendo-as, poderem usar as conquistas). Mas o linchamento não se dirige só ao lutador: dirige-se ao sindicalismo enquanto traço de união dos trabalhadores. “Portanto, ó comentadores da treta, ó jornalistas de aviário, ó gente de opinião fácil e pensamento breve, se quereis um alvo, dirigi-vos – democraticamente… – a quem de direito: uma federação sindical que não está nem nunca esteva à venda e que dos seus erros e vitórias assume por completo e coletivamente a responsabilidade”. Tanto barulho para que se confirmasse, afinal, o mais duradouro matrimónio da História de Portugal dos últimos 45 anos (período “geringonçal” incluído): o que, em matérias estruturantes, faz subir ao altar parlamentar PS, PSD e CDS.

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