Nunca uma campanha eleitoral me lembrou tanto Saramago e o seu ‘Ensaio Sobre A Lucidez’. Por mim, no próximo domingo, faríamos todos fi la para cumprir o nosso dever cívico e votaríamos, todos, sem excepção, dizendo NÃO a uma campanha vazia e desrespeitosa que nos tomou por uns grandessíssimos parvos.
E, se assim fi zéssemos prova colectiva de lucidez, talvez o país fosse despertado desta doentia modorra que nos mantém na cauda do velho continente.
Como se não bastasse o exercício de apoucamento a que estes aprendizes de políticos nos vêm sujeitando, ainda nos acusam de não querermos saber da Europa como se fossemos uma cambada de idiotas que não enxergassem os fi os que comandam as marionetas que por cá nos fi ngem governar. Pois bem, não é assim. Parece-me, isso sim, que são os candidatos aos confortáveis cadeirões de Bruxelas quem não quer saber dos portugueses para nada. Se assim não fosse, aliás, teriam aproveitado este período pré-eleitoral para nos apresentarem os seus importantíssimos programas eleitorais, em vez de nos terem sujeitado a vergonhosas disputas de palavras vãs.
De facto, nas últimas semanas, não vislumbrámos nenhuma ideia para a Europa, nenhuma refl exão acerca do papel de Portugal naquela União, nenhum debate sobre as consequências do Brexit, nenhuma preocupação com o terrorismo, nenhuma proposta para compatibilizar a livre circulação de pessoas e bens com a segurança
e a soberania das nações, nenhuma apreensão com a ‘órbanização’ da Europa e nem com os populismos reinantes, nenhuma palavra acerca do crescimento do antieuropeísmo e nem do agravamento das desigualdades económicas e sociais entre os diferentes territórios, nenhum plano para combater o endividamento dos países mais pobres, nenhuma resolução para os refugiados, nenhuma discussão acerca da orgânica da União, das atribuições do Parlamento e da Comissão ou da responsabilidade dos Estados-Membros, nenhum programa político. Nada! Limitaram-se a um chorrilho de lérias, sem qualquer proveito, a um desfi le de conversas fi adas para entreter palermas e cumprir calendário, entremeadas por umas sonoras arruadas e umas patéticas passagens pelas feiras municipais, onde trocaram brindes por votos, bagatelas pelo essencial. Tristemente, nesta campanha não vi mais nada… só mentiras, insultos e propagandas dignas de conversas de taberna no final dos jogos da Liga dos Últimos.
Poucochinho! E, por tudo isto, votarei em branco no próximo domingo para dizer NÃO. Direi NÃO a este arremedo de democracia, porque não gosto de políticos que nos tomam por imbecis, palermas ou apoucados, e nem de políticos mentirosos, charlatães ou interesseiros, que correm atrás de salários chorudos em vez de caminharem à frente de um projecto para a Europa que defenda os interesses dos portugueses. Direi NÃO na expectativa de que o país rejeite este simulacro de democracia e exija políticas sérias, ao invés desta horda de campanhas medíocres que nos tomam a todos por parvos.
Tenho um fraquinho por democratas. Gosto de gente que trata os outros como iguais e respeita a sua opinião, mesmo quando ela não lhe convém. Gosto de gente que respeita os seus eleitores, que opta por esclarecê-los ainda que isso possa valer-lhe mais críticas, gente que opta pela verdade ainda que isso possa custar-lhe uns quantos votos, gente que decide em prol do bem comum ainda que isso possa comprometer os seus apoios naturais. Gosto de gente que percebe que, a par das críticas, recebe assim elogios que doutra forma nunca ouviria, que os votos que lhe restam são de gente comprometida com o seu projecto, que os tais apoios perdidos eram amarras afinal.
E tenho um fraquinho por quem acredita que vale a pena sonhar com uma sociedade mais justa onde “a gente era obrigado a ser feliz” em vez deste vulgar reino das “galinhências” de que falava o mais recente prémio Camões. Sim, também tenho um fraquinho pelo Chico Buarque, confesso.