Opinião – Ingratidão

Posted by
Spread the love

Diria o meu Queridissimo Pai que a gratidão define o Homem. Quem não é grato, não pode seguramente ser boa gente.
Porque atravessamos uma época do ano em que a ingratidão dos homens ficou bem patente quando decidiu por termo à vida de Jesus na cruz, decidi hoje escrever por aquilo que nós Coimbra fazemos aos nossos melhores.
Somos, não tenho dúvidas, muito ingratos.
Vem tudo isto a propósito, da forma como até hoje as Instituições públicas de Coimbra trataram essa figura ímpar, que embora não tenha nascido nesta cidade, se tornou um dos seus maiores. A nível privado o Grupo Sanfil Medicina fez-lhe uma pequeníssima homenagem e os Guineenses que aqui vivem, nomeadamente o Inácio Júnior, também o fizeram.
Sempre me irritaram as homenagens a título póstumo, em que por encanto todos dizem bem de quem os deixou.
Norberto Canha continua entre nós, com a mesma vivacidade, com o mesmo sentido do bem comum e com uma visão de futuro que ninguém sabe acompanhar, que sempre o caracterizaram.
Transmontano de gema, natural de Alfândega da Fé, primeiro com uma “junta de bois” e posteriormente com uma “Quinta modelo”, que frequentemente ainda visita. Serviu o País também em África, onde na Guiné deixou obra notável. Para aqui veio posteriormente trabalhar, acompanhado dos seus 5 filhos, que deixam e deixaram obra, sendo que lhe foi por mérito próprio concedido o serviço de ortopedia dos HUC para dirigir, ainda no antigo Hospital.
Foi com ele ao leme da Administração que se mudou para o novo Hospital. Irei contar-vos três histórias que definem um Homem.
Com ele, o serviço de ortopedia cresceu exponencialmente e atingiu as 300 camas, com uma qualidade única. Recordo um Congresso de Ortopedia no Porto, em que o serviço foi apresentar o tema principal através de alguns de nós, onde eu forçosamente me incluía. Acabada a apresentação, o Prof. José Oliveira do Porto, nessa altura considerado como a “fera” da ortopedia, pediu para falar e exclamou: “Sabes Canha, todos dizem mal de ti, mas o que eles têm é uma inveja danada porque tu tens o melhor serviço de Portugal, senão do mundo.”. E pela primeira vez, eu vi Norberto Canha com as lágrimas nos olhos, dizer: “Obrigado meu Amigo, obrigado.”.
Um dia em que o saudoso Grego Esteves iria apresentar um tema sobre ligamentos do joelho (que se iniciaram nessa época), e porque discordava que tinha de pagar 10mil escudos para poder dar o seu contributo, ofereci-me eu para o apresentar como membro da equipa que a tinha preparado. Entrei na sala, projetei os slides em silêncio e fui posto na rua pelo Presidente da mesa.
Norberto Canha assistia incrédulo na primeira fila. O seu feitio transmontano levou-o a, cá fora, no meio da quantidade das pessoas que estavam, pôs-me na rua. Era jovem, tinha filhas para criar e fiquei em pânico.
No dia seguinte, essa Senhora que muito admiro, D. Célia Canha, telefonou a minha mulher Teresa e pediu para eu ir lá a casa. Lá fui, cheio de medo, e quando cheguei mandaram-me entrar para o escritório, onde estava Norberto Canha. Quando eu quis começar a falar, ele deu-me um grande abraço, dizendo: “Depois de saber o que se passou, acho que eu ainda fazia pior.”.
Recordo ainda, a partida do Paulo, seu filho muito querido, e que teve uma doença igual à minha, diagnosticada no mesmo tempo. O Paulo era como o Pai, gente de uma só palavra, gente de bem.
“Querido Paulo, um abraço forte com a certeza que descansas em Paz.”
Vi bem o que Norberto Canha sofreu e apercebi-me mais uma vez a dimensão do Homem, de quem tive o privilégio de ter como Diretor, seguramente o único Diretor que admirei.
Podíamos falar, ainda, de muitas outras facetas, como por exemplo “A Arca” e posteriormente a Universidade Vasco da Gama, que a esquerda deste país, com ódio a tudo o que seja privado, esquecendo que é dele que vivem, não deixou avançar a Faculdade de Medicina na referida Universidade.
Destacamos nesta última fase na Guiné, a acompanhar Norberto Canha, o contributo de Celso Cruzeiro, esse também a necessitar em breve de uma homenagem da cidade.
Aliás, podia estar aqui horas a escrever sobre tudo aquilo que Norberto Canha foi para Coimbra. Que lhe deu a Cidade em troca?
Nem uma rotunda dessas que o Machado faz por ajuste direto. Homenageou Álvaro Cunhal, um estalinista convicto com lugar no politburo central da URSS, quando o referido Estaline era responsável por milhões de mortos que se opunham ao regime comunista. O que fez esse indivíduo por Coimbra? Destilou o ódio que tanto o caracterizou.
Somos indiscutivelmente uma cidade ingrata, com gente ingrata, para os seus maiores. E por vezes grata, para quem nada fez por esta Coimbra de sempre.
Resta-me, e torno a referir, neste tempo de Páscoa e de ressurreição, que em breve possamos estar a festejar com Norberto Canha o dom da sua vida, que para nós é seguramente uma imensa bênção.
Santa Páscoa para todos.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.