Opinião: À Mesa com Portugal

Posted by
Spread the love

“De verde nascida, de preto me vesti, para dar luz ao mundo, mil tormentos padeci”. Sempre que esta adivinha vinha à baila, eu respondia à minha mãe, vaidosa, com a palavra na ponta da língua. É a azeitona! E quando o dizia só me vinham à ideia as azeitonas pretas de pele luzidia que via sobre a mesa. Ingénua, pensava eu que aquele negro, da pele até ao caroço, era o resultado do amadurecimento ainda na oliveira. Não sabia que tal negro, tão negro, tão brilhante e luzidio era artificial pois, no limite, na oliveira, as azeitonas apenas ficariam de cor negra, violácea não uniforme. Deixar amadurecer mais o fruto na árvore, seria correr o risco de aquele amolecer perdendo a textura carnuda.

Vem tudo isto a propósito de estar fascinada pelo tema das azeitonas, sobretudo, quando falamos de uma azeitona do lindo e telúrico Douro Superior, como a “Negrinha do Freixo”. Assim conhecida por a origem da sua produção e reputação se situar em Freixo de Espada à Cinta, é a rainha das azeitonas de mesa, sobretudo, quando falamos do Norte de Portugal. É caso para dizer que Deus sabe o que faz, pois se esta “Negrinha” pouco préstimo tem para a produção de azeite, já no que respeita à sua conserva para mesa permite saborear uma azeitona carnuda, de caroço pequeno e fácil de descaroçar.

Ideia tantas vezes repetida, estamos certos de que a geografia faz os produtos, dá a cor, o sabor, o aroma e a textura e, no caso da Negrinha do Freixo, dá-lhe as condições naturais para que a sua produção seja isenta de tratamentos com pesticidas. “Os nove meses de Inverno e os três de Inferno” com invernos gelados, verões quentes e secos e um regime de baixa precipitação oferecem as condições naturais para contrariar a proliferação de doenças e pragas entre as oliveiras alinhadas nos socalcos o que faz desta “negrinha” uma azeitona que não recebe tratamentos. É caso para dizer que “o que não nos mata torna-nos mais fortes” e assim a geografia transformou a dificuldade em oportunidade.

Da “Negrinha do Freixo” há qualidades para todos os gostos. “Verdes”, “negras tratadas” e “maduras em salmoura”, tudo depende da fase de amadurecimento em que são apanhadas e do tratamento aplicado. O gosto, ora pelas verdes, ora pelas pretas, é fama que já vem de longe. Basta lembrar que na faustosa ementa do Banquete de Trimalquião aparecem as azeitonas verdes e pretas a revelar a reputação e a fama de as comer, ligeiramente, adstringentes ou menos amargas.

Após a colheita há que tratar as azeitonas de forma a retirar-lhes o amargor natural e a permitir a sua conservação. Assim, na “Negrinha”, as “tipo verdes” recebem um tratamento de hidróxido de sódio (soda cáustica) para perderem a adstringência e, após várias lavagens, são tratadas em salmoura onde se dá a fermentação láctica que faz com que se desenvolvem as caraterísticas de cor, aroma, textura e sabor que as caraterizam.

Já as “negras tratadas”, apanhadas ainda não totalmente maduras, seguem um processo semelhante passando por um processo químico de oxidação com gluconato ferroso que lhes dá o tom luzidio. As “maduras em salmoura”, colhidas quando têm uma cor negro-violáceo, recebem apenas o tratamento da salmoura que lhes retira parte do amargor e permite a fermentação láctica sendo que o enegrecimento acontece pela exposição ao ar. Tudo depende dos gostos, mas este processo simples e “natural” mantém o sabor amargo e a cor caraterísticas da azeitona “Negrinha do Freixo” e faz do sabor que pica na boca um vício difícil de resistir. Apetece-me dizer que depois de trincar a primeira é impossível não ceder à tentação da segunda, da terceira… é como os olhos cor de azeitona, quem resiste?

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.